Chiharu - Capítulo 11



Hey galera! Que tal começar bem esse fim de semana com o décimo primeiro capítulo de Chiharu?


Chiharu

Capítulo 11


. . .


Como isso foi acabar assim...

Eu olhei para a garota loira ao meu lado, pela terceira vez. E, pela terceira vez, ela me deu aquele sorriso sem graça.

Então, pro outro lado. Lá, a garota ruiva estava pendurada no meu braço e cabeça apoiada no meu ombro.

Eis a situação: Nós estamos no fundo de um carro. Nanami e Yuragi estão ao meu lado. Na frente, Akakyo no carona e um homem que eu não conhecia até pouco tempo, um tio desses dois. A garota ruiva ao meu lado está se pendurando em mim de uma forma que faz parecer que somos namorados, e, graças a isso, o homem ruivo que dirigia o carro olhava no retrovisor de tempos em tempos com um olhar ríspido. Eu não sabia se deveria ficar constrangido ou perturbado.

Mas se isso estava acontecendo, quer dizer que o plano desses dois estava dando certo.

Há alguns dias...


. . .


Bom, nós temos um problema com nossa família... Você já deve ter notado que nossa relação com eles não é das melhores. Eles nos chamaram para uma reunião de família, e, bom... A Yuragi e uma parte de mim não querem chegar lá e dar brechas para comentarem coisas do tipo ‘ah, mas por que vocês dois não tem namorados’.

Onde esse cara quer chegar...

Não me diga que...

Cara, eu não vou ser seu namorado.

Óbvio que não! Você tá maluco!?

Ótimo. Então que bom que pude ajudar.

Eu me virei para ir embora. Eu pensei que se corresse à uma velocidade de 300 quilômetros por hora eu poderia chegar à saída antes de ele dizer as próximas palavras...

Você seria o namorado da Yuragi.

Tarde demais.

Você tem noção do que está me pedindo?

Sim...

Você quer que eu seja namorado da sua irmã por um dia?

Bom, alguns, na verdade.

Eu engasguei as palavras, evitando insultar alguma geração longínqua da família dele.

Então eu falei aquela frase maldita...

E quem você pretende levar como namorada?

Pra ser bastante sincero... Eu não tenho nenhuma amiga íntima a ponto de pedir isso, então... Lembra daquela garota bonita que vimos na sua casa?

Mas é claro que não.

Como não? Ela não é sua amiga?

Eu quis dizer mas é claro que eu não vou pedir a ela!

O que... Esse cara tem na cabeça!? Ele nem conhece a Nana e está me pedindo algo assim? Mas é claro que ela não aceitaria...

A qual é, cara, vamos... Não faz mal pedir.

É claro que ela não vai aceitar...


. . .


Por mim tudo bem.

Fala. Sério.

Você só pode estar brincando!

A reação do garoto ruivo atrás de mim só serviu para juntar irritação com a minha indignação. Ele pulou enquanto gritava 'yahoo!' pelo menos meia dúzia de vezes. Mais algumas e ele levaria uns bons sopapos.

Se você está pedindo, Makoto, ele não deve ser má pessoa. Além disso, se for só pra fingir, não vai ter problema.

Você sabe que vai ter que viajar, não é?

Sim, contanto que seja num fim de semana, tudo bem.

Você sabe que vai estar numa casa cheia de pessoas que você não conhece, não é?

Sim, mas vão nos apresentar.

Droga... Ela é complacente demais... Se as coisas continuarem desse jeito...

Preciso pensar em algo, preciso pensar em algo...

Você sabe que esse cara é um sonâmbulo que se torna um pervertido incontrolável que ataca garotas indefesas durante a noite, não é?

Brilhante.

Basta trancar a porta. Além disso você não devia falar mentiras sobre o seu amigo desse jeito.

É, Makoto, você não devia fazer isso.

Akakyo veio correndo para se redimir, mas a garota já tinha visto através da minha tática. Eu simplesmente arfei em derrota e levei a mão até a testa.

. . .


E aqui estamos.

Eu deixei Shizuka na casa dos pais de Nanami. Ela pareceu aceitar bem a ideia. Nós íamos à casa dela com certa frequência quando éramos menores, então a ideia de ficar lá era, na verdade, bastante agradável. O pai de Nana voltaria no fim daquele fim de semana, então Shizuka acabaria revendo ele mais cedo do que eu. A mãe de Nana é bem atenciosa, e depois que eu expliquei tudo, tenho certeza que vai ficar tudo bem. Só tenho pena se o pesadelo em miniatura de cabelos loiros resolver perturbar minha irmã também... Coitada.

De qualquer forma, tenho meu próprio teste de resistência pela frente nesse fim de semana. Tenho que lutar pela minha vida com esse cara assustador me olhando, além de não deixar que nada que está com certeza acontecendo na mente do ruivo de sorriso abobado na frente do carro se realize.

Força, Makoto.


. . .


Nós viajamos bastante, até uma cidadezinha no litoral. Parece que é daqui que a grande parte da família Nekogami vem. Pra falar a verdade, eu notei que vários olhares caíram sobre o carro à medida que passávamos pelas ruas. O carro era de aparência cara, também... Será que os Nekogami são de influência nessa cidade?

Minhas dúvidas foram sanadas quando chegamos ao que era quase uma mansão. Se eu soubesse assoviar, provavelmente é o que eu teria feito agora. Nana também ficou parada impressionada por um tempo. Akakyo se aproximou de mim e me deu um tapinha nas costas.

Por que você não me contou que sua família era rica?

Ah, não somos tanto assim. Além disso não é importante.

Eu olhei para a direita e Yuragi estava olhando fixamente para o portão enquanto apertava os punhos. Toda a viagem ela pareceu estar completamente bem, mas agora estava tensa e com um olhar sério. Eu decidi que, como namorado falso, deveria fazer alguma coisa.

Você está bem?

Estou...

Ela respondeu positivamente, mas olhou pra baixo. É claro que aquilo era um não. Mesmo assim, ela respirou fundo e colocou um sorriso no rosto, se agarrando ao meu braço.

Estou louca pra te apresentar pra todos os meus tios! Eles com certeza vão te adorar!

O quê? Ah, bom, sim...

Eu olhei pro homem alto que agora estava abrindo o portão. Aparentemente, o carro ficaria ali mesmo, do lado de fora. Yuragi me puxou pelo braço para entrarmos.

Vamos.

Eu acompanhei, meio que sem opção. Akakyo passou o braço pelo pescoço de Nana e a levou pra dentro também. Involuntariamente, eu fechei a cara. Que aproveitador...

Passamos pelos belos jardins da casa e fizemos nosso caminho até a entrada no edifício. Entramos pela sala de estar e seguimos até a sala de jantar. Tudo era muito luxuoso, limpo, e bem arrumado. Não é exatamente o ambiente em que eu me sinto confortável de ficar.

Na sala de jantar havia uma grande mesa de carvalho que mais parecia uma mesa de reuniões, principalmente da forma em que as pessoas que encontramos ali estavam. Haviam mais cinco pessoas além de nós ali. Um homem velho, de aparência de poucos amigos, uma mulher igualmente séria, mais ou menos da idade do homem que nos deu carona. Em contrapartida, havia um homem jovem com barba por fazer que parecia bastante amigável, e, também, uma moça loira de cabelos curtos e pomposos com um sorriso cortês. Todos, exceto ela e o idoso, já grisalho, tinham um cabelo de um ruivo forte.

O homem mais jovem se levantou e sorriu bem calorosamente para nós.

Ei, vocês! Como vocês cresceram!

E aí, tio.

Akakyo soltou Nanami e me fez sentir menos angustiado. Ele então bateu na mão de seu tio e recebeu um abraço dele logo depois. Yuragi sorriu e foi fazer o mesmo, mas acabou recebendo um cafuné que claramente a deixou em desgosto.

Principalmente você, Yuri-chibi! Parece até uma mulher agora!

E-ei, para, para!

Pare com isso, Hanzo.

O mais velho dali advertiu e se levantou, indo até os dois jovens 'gatos'. Ambos colocaram expressões sérias no rosto que apenas pioravam a cada passo dele.         

Vocês dois... Vejo que realmente cresceram. Espero que esteja tudo bem com meu querido irmão mais novo.

Acho que comecei a entender a situação... Aquele homem é o irmão do avô deles. Pela postura dele, imagino que seja o chefe daquela família. Na sala, haviam algumas molduras com diplomas ou cerificados... Aparentemente aquela era uma família de médicos que devia ter muita influência na cidade. E acima de tudo isto, a relação de Akakyo e Yuragi com eles não era muito boa por algum motivo.

Espero que Tanaka esteja cumprindo seu trabalho direito. Seria um problema se vocês dois fossem terminar como seus pais.

Por motivos óbvios, eu não compreendi o que havia por trás do que ele disse, mas Yuragi e Akakyo não gostaram nada daquilo. Raiva, ou até mesmo ódio infestou os olhos dois. O grisalho pareceu não se importar, e simplesmente colocou as mãos para trás e deu as costas.

Sim, vocês estão agora na idade deles quando aconteceu... Nós chegamos à conclusão de que será melhor se um de vocês vier viver aqui.

Agora, isso foi claro como a água. O homem queria que um dos meus amigos se mudasse da cidade em que viviam e viesse viver aqui. Akakyo e Yuragi ficaram inconsoláveis, mas foi o irmão que falou.

Você não pode fazer isso!

Eu posso, e, se precisar, eu vou. Eu sou o líder da família Nekogami, criança.

Eu pensei que, com a atitude do velho, Yuragi, a garota explosiva e que nunca consegue ficar calada fosse mais uma vez estourar e espernear, mas ela simplesmente se calou e se agarrou e mim. Pela primeira vez eu percebi aquele lado fraco que ela também tinha. O homem velho se sentou e Akakyo e Yuragi continuaram a ser metralhados pelo olhar dos dois ruivos mais velhos na sala. O ruivo de barba não parecia muito satisfeito com aquilo, mas permaneceu calado. O velho então fez sua última pronúncia.

Vamos observa-los pelo menos por esse fim de semana. Por hora, vão para os seus quartos. Eles já foram preparados. Aqueles dois chegarão amanhã.

Akakyo, impotente diante da autoridade do velho, virou abruptamente e partiu na direção de um corredor. Nanami olhou pra mim sem saber o que fazer, e então correu atrás dele. Eu puxei Yuragi para irmos também, mas ela ofereceu resistência e me olhou nos olhos. Ela está quase chorando... Eu resolvi tentar me acalmar e fui com ela até o lado de fora, apesar das ordens do velho, e simplesmente caminhei com ela. Em certo ponto do caminho eu acabei carregando nossas duas sacolas. Não falamos sobre nada, apenas ficamos ali, caminhando, tocados pela brisa do mar.


. . .


Em certo ponto, descemos até a areia e nos sentamos num ponto em que a água por vezes chegava a tocar nossos pés. Yuragi abraçou suas pernas e ficou olhando o horizonte, onde o sol estava quase se pondo. Era um local onde não haviam banhistas, então éramos só eu e ela por centenas de metros.

Eu decidi que se o silêncio continuasse ali a atmosfera ficaria de um jeito que eu não conseguiria suportar.

Os Nekogami parecem ser bastante influentes por aqui, não é? Eu notei os olhares das pessoas quando chegamos.

... Sim...

Uma resposta vaga para uma pergunta vaga.

... O que aquele cara disse sobre um de vocês ir embora... Não vai acontecer de verdade, vai?

Quem sabe...

Ele pode realmente fazer isso?

Pra ele, nós somos apenas peças num tabuleiro. E com a influência que ele tem, ele pode mover elas da forma que quiser. Meu avô é aposentado, você não acha que ele poderia sustentar dois adolescentes sozinho, não é?

Sim, pensando bem, é verdade... É o mesmo com Shizuka e eu. Se nossos tios não nos ajudassem, o dinheiro que temos guardado iria acabar num instante. Mesmo se eu conseguisse um trabalho ainda não seria suficiente para nós dois... No fim, é horrível ter que sugar de outra pessoa para conseguir viver.

É por causa dele que a relação de vocês com sua família é desse jeito?

Em grande parte, sim.

Já era de se esperar, mas... Haviam algumas coisas que não se encaixavam ainda. Por exemplo, o que foi aquilo sobre os pais deles? Eu não acho que seria capaz de perguntar isso à Yuragi, mas... Algo me diz que apenas o lado manipulador daquele homem não é tudo o que está por trás disso.

Então...

Vamos sair, Makoto.

Eh?

Vamos nos divertir em algum lugar!

M-Mas o que? Nós estamos com essas sacolas, pra onde nós vamos com isso?

Vamos deixa-las em algum lugar. Ninguém vai encontra-las.

Isso é loucura... Ei, Yuragi!

A ruiva se levantou e me puxou pelo braço, me fazendo levantar junto. O corpo dela de repente se encheu de energia e ela voltou a ter o aspecto de alguém que faz os outros agirem como ela quer.

E eu, como sempre, acabei sendo levado por isso.


. . .


Nós acabamos deixando as sacolas debaixo de alguns entulhos num beco e saímos pela cidade, iluminados pelo sol do fim da tarde. Se afastando um pouco da praia, havia uma praça, no centro da cidadezinha. Essa praça era bastante movimentada e cheia de pequenos comércios que começavam a ficar iluminados.

Ei, espere!

Yuragi continuou correndo e me puxando, até que chegamos num estande com sorvetes.

O sorvete daqui é ótimo... Ah, faz tanto tempo!

Ela parecia bastante excitada com a ideia de comer aquilo... Olhando assim, parecia um sorvete como qualquer outro. De qualquer forma, eu olhei o menu e vi que eles tinham sabor baunilha. É um sabor que eu gosto bastante, então seria gostoso de qualquer forma. Yuragi passou o dedo pelo menu e colocou a ponta da língua pra fora. Pelo que eu já havia percebido ela tinha o hábito de fazer isso quando estava concentrada em algo. Mas apenas pra escolher um sabor de sorvete...

Bom... Acho que eu vou querer esse!

A vendedora olhou o que ela apontava no menu. No fim, depois de tudo, ela havia escolhido o sabor morango.

Certo, entendi. E você, senhor?

Eu? Ah, bem... Eu vou querer baunilha, por favor.

Tudo bem, já vai sair!

A atendente sorriu e começou a colocar as bolas num copinho feito de um material reciclado. Yuragi mexeu em um bolso e pegou uma carteira exageradamente feminina, dada a personalidade dela. Eu fiz o mesmo e separei a quantidade de dinheiro pra pagar a bola. Era bem caro pra um copinho daquele tamanho. Yuragi fez uma cara pidona, e eu já esperava o que ela ia dizer.

Ei, Makoto-kun... Você pode pagar o meu?

Esse negócio é caro...

Você pode pagar, não é?

Ela se aproximou de mim e me deu um meio abraço, encostando aquelas coisas em mim... Aquelas coisas macias... Maldita... Ela está me chantageando...

Mas você é meu namorado...

Isso é perigoso... Se isso continuar assim eu vou acabar falindo... Droga, Yuragi, se eu sou seu namorado de mentira eu não devia pagar dinheiro de verdade pra você...

Aqui.

A atendente colocou os dois copos lado a lado e sorriu, esperando o pagamento. O rosto de Yuragi se aproximou perigosamente do meu e me fez engolir a seco.

Ela vai me beijar?

Não, ela parou...

Ela apenas ficou sorrindo e me olhando nos olhos. Eu dei dois passos para trás para evitar meus instintos masculinos tomarem conta do meu corpo e tirei a primeira nota grande que vi na minha carteira, jogando ela sobre o balcão.

Muito obrigada!

A atendente fez uma pequena reverência e me entregou o troco. Eu enfiei de qualquer jeito no bolso e peguei meu pote, caminhando pra longe o mais rápido que consegui.

V-vamos.

Yuragi sorriu com uma expressão de sucesso e pegou o sorvete dela também.

Nós comemos enquanto observávamos o movimento e as lojas. Até que era bem gostoso. Em certo ponto, paramos em uma loja de acessórios. Yuragi pegou dois pingentes de coração e estendeu eles pra mim.

Makoto-kun, vamos comprar? Eles combinam!

São pingentes de pendurar no celular... E ei, pare de me chamar assim...

Meu celular foi roubado, lembra?

Ah, é verdade... Então, compra só o meu?

Aquele sorriso me irrita... É o sorriso de um gênio do mal. Não... De um monstro.

Por favorzinho?

Droga, ela é linda... Não posso discutir com isso. Eu nunca pensei que seria o tipo idiota de cara que faz tudo o que uma garota pede... Mas eu nunca estive muito com meninas além da Shizuka, então é como se eu fosse um garoto de 10 anos no assunto.

Acabei sendo encurralado e comprei o pingente pra ela.

Se minha carteira pudesse falar, acho que ela estaria gritando...

Makoto, seu idiota!


. . .


No fim das contas, apenas ficamos de bobeira por ali. Tiramos fotos numa daquelas velhas máquinas que casais ou grupos de amigos geralmente vão. A maioria eram de Yuragi fazendo caras engraçadas enquanto ficava estático e parecendo um tomate de tão vermelho.

Naturalmente, eu paguei.

A noite caiu e o movimento diminuiu bastante. Nós decidimos voltar para casa antes que ficasse muito tarde. Passamos no beco para pegar as sacolas. Felizmente, elas ainda estavam lá. Se eu estivesse sozinho provavelmente não faria algo tão impetuoso e descuidado, mas quando estou com Yuragi acho que apenas acabo sendo levado pela maré. É essa a aura que ela passa para as pessoas.


. . .


Chegamos na grande casa que mais parecia uma mansão. A noite já havia caído no momento em que cruzamos a porta. Continuamos caminhando até chegar na sala de estar, onde alguns olhares gelados nos esperavam. Yuragi e eu combinamos de sorrir e apenas ignorar, e foi o que fizemos. Passando pelo homem mais velho e pelos dois ruivos de meia idade, nós chegamos ao corredor e fomos até onde ficavam os quartos. Claro, nós ficaríamos em quartos separados. O meu era um pouco mais adentro do corredor, então eu continuei seguindo. Minha mão tocou o apoio e fez a porta deslizar no chão, revelando um quarto bastante espaçoso. Lá dentro estava Akakyo, desempacotando suas coisas. Ele olhou para trás e sorriu, fazendo um pequeno sinal com a mão.

Yo.

Yo... O que está fazendo?

Não consegue dizer só de olhar? Estou desarrumando a mala.

Sim, mas... Vamos ficar apenas um fim de semana, não precisa fazer isso.

Bom, se Ren decidir que um de nós deve ficar, o melhor é que seja eu. Como eu sei como isso provavelmente vai acabar, já estou adiantando um lado.

E está realmente tudo bem com isso?

Ele parou de mexer nas coisas dele e olhou pra mim.

É claro que não. Mas não há muito que eu possa fazer. Quando algo é decidido pelo líder dos Nekogami, não há o que possa ser discutido.

Mas que droga... A influência dele é realmente grande a ponto de deixar esses dois irmãos impotentes? Realmente, não tem ninguém que possa fazer algo...?

Enquanto eu estava perdido em meus pensamentos, alguém se aproximou da porta e deu três batidinhas leves que chamaram minha atenção. Era o tio mais jovem e com barba por fazer de Akakyo, que sorriu e acenou para nós.

Eu espero que vocês dois ainda não tenham jantado.


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Quando você falou que ia nos levar pra jantar, eu esperava algo mais...

Akakyo não teve oportunidade de terminar a frase, pois o homem bateu com a lata de cerveja no balcão e o interrompeu.

Ah, vamos garoto, pare de ser tão reclamão. Uma barraca de ramen é um restaurante como qualquer outro!

Viemos parar numa barraca de ramen que ficava logo de frente para o oceano. Era um lugar pequeno, mas pelo menos o cheiro era agradável. Se fosse tão surpreendente quanto o sorvete de mais cedo, eu estaria mais do que satisfeito.

Além disso, era de graça.

Aqui está!

O cozinheiro trouxe 2 tigelas habilidosamente equilibradas nas pontas dos dedos e as depositou na frente de mim e do ruivo barbado de cabelos longos. Deixar seu prato por último fez Akakyo suspirar. Ha, acho que isso só aumentou sua frustração. O tio de Akakyo juntou as mãos e, percebendo o que ele estava pra fazer, eu decidi me juntar ao clima.

Itadakimasu!

Nós começamos a comer animadamente, enquanto a barriga do Nekogami mais novo roncava. Ele olhou pra mim com cara de quem queria me matar e depois roubar meu prato. Eu apenas sorri em resposta, claramente o provocando.

Ei, garoto, como é o seu nome mesmo?

Hm?

Eu terminei de engolir antes de responder.

 Ah, eu? Sou o Makoto.

Ah, Makoto! Eu sou Hanzo, prazer.

Sim, igualmente.

Espero que Kyo-chin não esteja dando muito trabalho lá na cidade de vocês.

Tanto faz, tio... Você sabe que eu não vou ficar lá por muito tempo mesmo. Além disso, não me chame assim.

Ah, vamos, Aka-chin, você geralmente não é tão pra baixo assim. Se anime!

Não tem como me animar com uma coisa dessas na minha porta... Não sou como você. E também não quero esse apelido.

O cozinheiro trouxe o prato restante, colocando na frente do rapaz sentado no meio.

Aqui está, coma bastante!

Akakyo não respondeu, e apenas encarou a comida em sua frente.

Você também não deve estar satisfeito com a esposa que Ren conseguiu pra você.

Isso chamou minha atenção. Eu olhei para o homem mais velho do outro lado do balcão, e seus olhos confirmaram o que parecia ser verdade. Eu sempre imaginei que casamentos arranjados fossem coisas que ficaram na era das dinastias, mas algo assim persiste até os dias de hoje...

Ah, bom, veja...

Ele procurou palavras para descrevê-la, mas apenas deu de ombros e desistiu.

Tá legal, ela é uma chata! Por deus, se eu tiver que aguentar ouvir aquela mulher falando por mais alguns dias eu vou ter de arrancar minhas próprias orelhas!

A explosão dele despertou a curiosidade dos cozinheiros e acabou afastando dois clientes que estavam para entrar. O que parecia ser o dono da bancada olhou de cara feia para Hanzo, que pouco se importou.

Mas mesmo assim, acho que devemos colocar um sorriso no rosto e seguir em frente. É a vida, afinal...

Eu sei que não é da minha conta, mas... Se todos estão tão insatisfeitos com o que acontece, vocês só precisam fazer as coisas do seu próprio jeito, não é?

Não é tão simples assim, Makoto-dono.

Makoto-dono? O que eu sou, um samurai, ou algo do tipo?

Bom, se no fim das contas for realmente bom para a família Nekogami, eu vou me casar com ela. É assim que funciona.

Desculpe, não consigo aceitar isso. "

Akakyo levantou sem nem ter tocado na comida e começou a sair do local. Mas antes que ele pudesse ir embora, o tio dele levantou a voz e o olhou nos olhos.

Mesmo sem conseguir aceitar isso, você não faz nada. Não me julgue, Akakyo, você é o mesmo que eu. É o mesmo que eles.

Akakyo lançou um olhar gélido pro homem e saiu, calado. Mesmo com aquele cara aparentemente bem humorado, a relação de Akakyo era instável. Quando ele falou que não se dava muito bem com a família, ele estava falando sério... É melhor que eu vá atrás do meu amigo. Eu coloquei os hashis de lado e me virei para Hanzo.

Obrigado pela refeição.

Ele não disse nada, então eu saí e fui atrás de Akakyo. Ele estava andando depressa, então foi um pouco difícil alcança-lo. Caminhamos ao lado um do outro, mas acabamos não pronunciando nenhuma palavra durante o caminho. O olhar dele era de ódio. Mas, por algum motivo, acho que aquele olhar provavelmente estava voltado para ele mesmo.

No meio do caminho, caíram os primeiros flocos de neve do ano.

Chegaram cedo...


. . .


Tem certeza que vai ficar bem sem comer nada?

Estou bem. Você também não comeu, não foi?

Eu comi um pouco, sim...

Já estávamos com as camas arrumadas e luzes apagadas. Colocamos dois futons ao lado um do outro, nada muito organizado. Estávamos deitados de costas um para o outro.

Ei, Akakyo...

O que?

Bom, somos só eu e a Shizuka há algum tempo agora, e... Minha família nunca foi grande de qualquer forma, então eu acho que não entendo. Mas tem mais alguma coisa por trás de você e Yuragi não se darem bem com a família de vocês? Tem algo me intrigando...

Algo que te diz que algo vai além disso?

Akakyo se virou pra mim. Eu fiz o mesmo, e concordei com a cabeça. Ele acertou. Por algum motivo, sinto que tem mais por trás dessa história do que eu pude absorver só de olhar... Não, não por qualquer motivo. Foram algumas frases específicas... Quando o tio dele falou 'igual a eles'... O que ele quis dizer, de verdade? Se eu estivesse certo...

Provavelmente tem a ver com nossos pais.

Então eles também tem uma relação conturbada com os pais... Não, eu já sabia disso. Quando ouvi Yuragi no telefone, ela estava falando com a mãe dela... Akakyo me pareceu bem com tudo aquilo da primeira vez, mas acabei percebendo que ele demonstra seus sentimentos de forma diferente da irmã. Enquanto ela tem uma personalidade explosiva, Akakyo guarda as coisas para si mesmo... E eu acho que ele acaba sofrendo mais do que ela com tudo isso.

Eu apenas fiquei calado e deixei ele continuar.

Sabe, na verdade...

Akakyo se virou para o teto e deitou com os braços atrás da cabeça.

Nossos pais são irmãos.

Eh?

A ficha demorou mais do que deveria para cair. Pais que são irmãos? Isso quer dizer... É como se eu fosse casar e ter filhos com a Shizuka... Mas... O que? Eu levantei impetuosamente do futon, ficando sentado. Akakyo pareceu entender minha reação.

É, é isso mesmo. Eles são um casal de incestuosos.

Não, isso não consegue entrar na minha cabeça... Eu nunca faria algo desse tipo. A Shizuka é minha irmã, não tem como eu pensar nela como uma mulher...

Mas não é por isso, pelo menos não da nossa parte... Eu até entendo, sabia? Acho que podem existir várias formas de amor.

Eu olhei para Akakyo... É, talvez seja possível pensar assim... Mas algo me perturbou. Por acaso...

Não, impossível! Não é como se eu pensasse na minha irmã dessa forma ou algo do tipo. Na verdade, não consigo imaginar nenhuma pessoa sensata pensando nela de outra forma. É querer ir cedo pra forca.

Eu tive que rir. Ele me decifrou. Eu havia vivido uma experiência como essa hoje, e não era tão ruim, mas à medida que ela se aproximasse da sua personalidade real enquanto o relacionamento se aprofundasse, se tornaria um inferno.

Mas... Meu tio-avô sempre foi contra. Não, toda a família foi... Não é o tipo de coisa que se aceita facilmente. Meus avós, pais dos meus pais foram os únicos que não se manifestaram. Normalmente é papel dos pais impedir que esse tipo de coisa aconteça, não é? Ren acabou punindo meus avós e meus pais, fazendo-os se afastar... Eles deixaram que ficássemos com nossos avós se eles jurassem que não iam deixar isso acontecer mais uma vez. Raramente vimos nossos pais durante toda nossa vida... E eles não fizeram nada. Nada para ficar com os próprios filhos. Eu não posso aguentar isso.

A última frase foi dita cheia de mágoa acumulada. Eu olhei para o teto também, pensativo. Sobre o que o tio dele disse mais cedo... 'Você é o mesmo que eles'...

Eu sou horrível...

Akakyo deve estar se sentindo o pior... Repetir o mesmo erro dos pais que ele culpou todos esses anos... Mas... Ainda não é completamente tarde.

Você ainda pode fazer alguma coisa.

Sempre podemos fazer alguma coisa.

Talvez...

O ruivo suspirou e cobriu o rosto com a coberta. A voz saiu abafada.

Mas por hora, acho que vou tentar dormir um pouco. Amanhã será um dia cheio...

Amanhã é o dia que os pais desses dois chegarão... Certamente vão haver várias intrigas. Eu olhei para a figura coberta, tentando transferir mentalmente forças para ele aguentar o que estava por vir. Eu suspirei. Aqui está abafado...

Eu resolvi sair para respirar um pouco e me livrar da tensão do ar. Do lado de fora, eu vejo uma figura de uma garota em seu pijama rosa cumprido. Ela olhou pra mim e sorriu.

Nana? O que faz acordada?

Makoto... Bom, o mesmo que você, eu acho.

Ela sorriu. O sorriso gentil dela sempre me acalma.

Yuragi te falou alguma coisa?

Eu olhei para ela para completar o sentido da frase. Ela voltou o rosto para os flocos de neve que caíam lentamente do lado de fora. Eu fiz o mesmo.

Não muito...

Entendi...

A grama estava quase completamente pintada de branco. Eu lembrei de eu, Nana e Shizuka brincando na neve quando éramos menores. Costumávamos fazer bonecos e guerras com neve. Meus pais sempre brincavam com a gente também. Terminava que nossa mãe fazia com que nós 4 jogássemos tudo o que tínhamos no nosso pai. Eu sorri com as memórias, e uma lágrima quase escapou meu olho. Droga, Makoto, você está passando tempo demais do lado de garotas.

De repente, um pensamento me ocorreu.

Ele não fez nada estranho com você, fez?

Quem? Ah! Não, não! Não se preocupe.

Ela fez um sinal um pouco exagerado com as mãos e ficou um pouco vermelha. Aí tem coisa...

Nana...

O quê...?

A verdade.

Ah, bem...

Ela olhou pro outro lado e ficou um pouco mais vermelha.

Ele me deu um beijo na bochecha...

Sim, e o que mais?

Nada, só isso.

Só isso?

Sim... Mas foi por que nós precisávamos manter as aparências!

Meu riso primeiro se prendeu na garganta e então escapou, me fazendo cair na gargalhada. A garota ficou olhando, abestada, enquanto eu deixava as lágrimas da risada escaparem da ponta dos meus olhos. Eu as enxuguei e olhei para a garota.

Você não precisa ficar tão nervosa por causa de um beijo na bochecha, Nana.

É que eu achei que você fosse ficar bravo...

Olhando ela desse jeito é como se ela ainda fosse uma criança. Tímida e toda desconsertada por causa de um beijo na bochecha... Mas espera aí, por que eu ficaria bravo? Não é como se eu fosse seu namorado nem nada do tipo... Parecendo notar a mesma coisa que eu ao mesmo tempo que eu, ela corou instantaneamente. Nós desviamos os olhares para os lados opostos do corredor.

Bom... Eu já respirei bastante, então acho que vou dormir.

Ah! É mesmo! Vai ficar tarde, haha!

Mais uma vez Nana e suas reações exageradas. Eu sorri, ainda não completamente curado da vermelhidão.

Boa noite, Nana.

Sim, boa noite, Makoto.

Nós trocamos olhares uma última vez e rimos da cara um do outro. Dali, fui direto para a cama e me deitei. Não demorou muito para eu cair no sono.

Que frio gostoso...


. . .


O dia seguinte amanheceu com um sol tímido que dissipou o frio da noite anterior. A refeição matinal foi bastante monótona, também. Nana se voluntariou para ajudar uma cozinheira que prepararia o café da manhã. Ela resistiu no começo, mas acabou aceitando. Eu olhei para a ruiva do meu lado, que me devolveu um olhar nervoso e apertou meu braço. A hora estava chegando...

Ouvimos um som de um carro estacionando do lado de fora. A tensão de Yuragi só aumentou, e Akakyo lançou um olhar sombrio sobre a porta. Alguns segundos se passaram, e ouvimos passos... Depois, por debaixo da porta, vimos sombras. A maçaneta girou.

Um casal de pessoas ruivas, como era característica daquela família, entrou pela porta. Qualquer um que os visse poderia dizer que eram parentes. Além disso, eram realmente parecidos com o casal de amigos que se encontrava na mesma sala que eu. Akakyo e Yuragi se levantaram, e, por impulso, eu fiz o mesmo. Quem entrou primeiro foi o homem. Ele e Akakyo pararam frente a frente. O contraste era inegável. Enquanto o homem dava um sorriso nostálgico, Akakyo permanecia impassível, encarando-o.

Akakyo... Como você cresceu...

Ele tocou os braços do filho para checar sua estatura, e então lhe deu um abraço. Akakyo não retribuiu, e apenas ficou ali, parado. Ver meu amigo, que sempre esteve com um sorriso bobo no rosto dessa forma acabou me espetando o coração. Eu desviei o olhar e encontrei o de Nana, que espiava tudo através de uma porta.

Vendo que seu gesto não estava sendo retribuído, o homem acabou mudando a expressão para uma tristonha e voltou a ficar de frente para o rapaz. A mulher, que entrava logo atrás, olhou para Yuragi e atravessou a sala a passos rápidos, indo ao encontro dela.

Filha! Você...

Não me chame assim!

A mãe de Yuragi parou, e os olhares de todos caíram sobre a garota. Eu pude sentir o corpo magro dela tremendo e vi lágrimas começarem a escorrer.

Yuragi...

Você não tem o direito de me chamar assim!
A mãe dela levou as mãos até a boca de início, mas então as abaixou para tentar falar algo. Foi tarde demais. A garota ruiva a empurrou para o lado para abrir caminho até a saída.

Yuragi, pra onde você...

O pai dela esticou a mão para segurar seu braço, mas, como um gancho feroz, Akakyo o pegou primeiro. O olhar furioso dele gelou até minha espinha.

Não ouse tocar nela.

O pai dos irmãos ficou sem reação. Ele apenas ficou boquiaberto diante da imposição de autoridade de seu filho. Akakyo então fez o mesmo que Yuragi e empurrou ele para abrir caminho, indo atrás da irmã.

Aka...

Nana tentou chamar o nome dele, inutilmente. Os dois pais apenas ficaram olhando para o lado de fora, vendo seus filhos desaparecerem de suas vistas. Não posso ficar parado aqui... Eu olhei para Nana e então parti pela porta, perseguindo os dois.

Mas que droga...

Eu perdi meus pais, então a possibilidade de tê-los vivos e ter uma relação ruim com eles me parecia muito surreal. Se meus velhos estivessem vivos... Eu sempre imaginei que seríamos felizes e que eu nunca os deixaria. Mas será que eventualmente acabaríamos brigando? O mesmo se Shizuka fosse saudável... Se nada disso tivesse acontecido, eu não teria aprendido a valoriza-los?

Enquanto eu me perdia em pensamentos, a neve que se acumulou na calçada deixava meus pés descalços cada vez mais gelados. As duas figuras correndo ao longe também deveriam estar sentindo a mesma dor fria que eu.

No entanto, a dor que o gelo causava em seus corações deveria ser muito maior.


. . .


Chiharu - 11

Reunião.

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