A Rosa Fantasma - Coberta Por Rosas II


Sentenciado a viver. O complexo de Deus. Caindo em desgraça. 


Mais algumas páginas de A Rosa Fantasma para vocês. Aos poucos vamos concluindo esse projeto, que já está na reta final do seu primeiro volume. Comentem, o apoio e a opinião de vocês é mais do que bem-vindo. Boa leitura! > - <



                                                                                     "Página do projeto"



Capítulo 3

Coberta Por Rosas Pt.2

◊ ◊ ◊
 Owen, abra os seus olhos...
Já está na hora de acordar...
Eu ainda não te dei o direito de descansar.
◊ ◊ ◊

 Os únicos sons que ecoavam por aquele extenso túnel em particular eram provocados pelos pés de Bianca tocando o chão enlameado. Sua mão esquerda segurava um prato de porcelana que apoiava uma vela acessa. Já na mão direita, havia a pistola de um guarda que ela tinha pego poucas horas antes.
Perdida e incapaz de retornar para a superfície, Bianca caminhou sem rumo por quase meia hora até uma série de disparos seguidos por uma gritaria sem fim alcançaram os seus ouvidos. Poucos minutos depois, uma forte explosão fez com que os túneis tremulassem, dando a impressão de que tudo iria desmoronar a qualquer momento. Uma intensa batalha estava acontecendo em algum dos incontáveis túneis da cidade subterrânea.
Sentindo que deveria se apressar, a garota de cabelos pretos começou a correr, mas parou poucos metros adiante quando se deparou com uma sala iluminada. Era a grande biblioteca. A mesma sala onde ela esteve com Aria e Marcos na noite passada.
Bianca apagou a vela e olhou dentro da biblioteca. No início, o local aparentava estar vazio, mas após prestar atenção, a garota de cabelos pretos encontrou um corpo imóvel sobre uma mesa.
Seu estômago revirou com o sentimento de culpa, suas mãos gelaram e seu peito começou a doer.
— Owen... — O Legior ainda estava com os pés e mãos amarrados firmemente por uma corda. Tanto a mesa em que ele repousava quanto o chão, repleto de frascos de tranquilizantes, estavam sujos com o sangue dele, ainda fresco. O abdômen do garoto não se movia, deixando claro a falta de respiração. — Marcos o torturou... Aquele monstro...
Errado... Não foi Marcos quem o atraiu para uma armadilha... É minha culpa...
Desculpe-me...
Desculpe-me! Desculpe-me!
O prato de porcelana caiu e se desfez em centenas de pedaços. Bianca estava enjoada, perplexa, aterrorizada com os resultados da sua ignorância.
Eu provoquei isso... Você está morto por minha causa...
Eu o matei, eu o matei, eu o matei...
Então algo anormal aconteceu. Apesar do corpo de Owen estar pálido e rígido como o de um cadáver, a ponta do seu pé direito teve um leve espasmo. Bianca arregalou os olhos e começou a se aproximar, cambaleante.
— Isso... é... impossível...
Menos de vinte segundos depois um segundo espasmo aconteceu, mas dessa vez foi a mão direita dele que se moveu.
Ontem à noite o lobo com certeza arrancou o braço dele. Mas pouco tempo depois seus cabelos perderam a cor e um novo membro nasceu no lugar.
Sentindo-se subitamente esperançosa, Bianca revirou a biblioteca com o olhar e encontrou algumas gazes. Ela os pegou e cuidadosamente começou a limpar o sangue espalhado sobre a pele dele. Apesar de haver muito sangue, não existiam feridas aparentes, nem mesmo cicatrizes.
Ele teve seu peito perfurado pela espada de Marcos, porém, o corte se fechou quase que instantaneamente.
A mente de Bianca estava entorpecida. Cogitar a possibilidade de que Owen não estava morto trouxe um grande alívio para sua consciência pesada. A culpa ainda existia, mas ela viu nesse milagre a oportunidade de concertar todos os erros cometidos na noite anterior.
— Acorde... — Lágrimas começaram a brotar no canto dos seus olhos. — Estou implorando... Abra os olhos, por favor...
Como se estivesse atendendo ao chamado da garota, Owen abriu os olhos e segurou o braço dela num impulso. Se não fosse a corda que prendia o pulso dele, Bianca estaria em uma situação perigosa nesse momento.
Ele... está com os olhos abertos... Mas seu peito continua sem fazer movimentos, como se ele não estivesse respirando. Como se ele... não precisasse respirar para continuar vivo.
O tempo parecia ter congelado. Os dois passaram vários segundos se encarando, até que a expressão de Owen finalmente relaxou.
— Tenho três perguntas importantes para você. Garanto que algo muito ruim acontecerá se você não for sincera com as respostas.
Bianca engoliu em seco e acenou com a cabeça.
— Sim...
— Primeiro: Por que estou seminu em cima de uma mesa com os membros amarrados?
— Heh?
— Segundo: O que você esteve fazendo com o meu corpo enquanto eu estava nesse estado lamentável?
O corpo de Bianca estremeceu, se dando conta pela primeira vez da situação estranha em que estava.
— N-não é nada disso que voc-
— Terceiro! — Uma risada que beirou o sarcasmo escapou pelos lábios do garoto. — Quanto tempo você ainda vai levar para me soltar? Está realmente frio aqui, então, ao menos que você esteja planejando me aquecer, gostaria que me desamarrasse.
Bianca tentou responder, mas ao notar que as palavras não escapariam, correu atrás de algo que pudesse cortar as amarras.
Com o canto de olho, Owen notou um objeto branco com detalhes azuis em cima de algumas caixas à poucos metros de distância.
Era o Sensorium de Ellen.

◊ ◊ ◊

Karen recolheu a lâmina de seu Sensorium e voltou-se na direção dos seus subordinados que ainda permaneciam em estado de choque graças ao inferno pelo qual haviam passado.
— Levantem-se. — A frieza na voz de Karen perfurou a pele daqueles homens como uma lâmina afiada. — Deixem o luto para depois, por agora devemos prosseguir. — A resposta veio na forma de um silêncio pesado. Os subordinados abaixaram o rosto, evitando o olhar da morena.  — ‘Quase não sobrevivemos a primeira batalha e você já quer que enfrentemos a morte novamente’? É isso que vocês estão pensando, não é?
— N-não posso mais fazer isso... Não mais... — Um deles reuniu coragem e desafiou Karen. Seus olhos passaram por cada um de seus companheiros mortos quando nenhum outro vivo tinha a coragem necessária para isso. — Quero passar o que resta da minha vida com a minha família. Minha esposa e filho estão lá em cima, esperando que eu volte para eles... Por esse motivo não posso ir com você... Não quando sei que provavelmente irei morrer. Desculpe-me...
Karen suspirou.
Por que estou decepcionada? Eles são apenas fazendeiros, não guerreiros, muito menos assassinos. Não posso forçá-los a lutar, mas também não posso permitir que partam sem antes saber o que está em jogo. 
— Muito bem, deixarei que vocês retornem... — Karen sorriu para homem que havia falado. — Mas se eu não voltar para a superfície, saibam que terei morrido tentando salvar vocês, pessoas que sequer conheço... — O sorriso desapareceu, dando espaço para uma feição indiferente. — ...Pessoas que não são importantes para mim. Quando Jothenville estiver cheia de cadáveres, lembrem-se que vocês três poderiam ter feito a diferença, poderiam ter sido os heróis que salvariam essa terra.
Karen fechou os olhos e virou de costas, planejando ir embora sem se despedir. Mas nesse momento uma outra pessoa ficou de pé.
— Espere... — Sofia, que passou todo esse tempo encolhida em um canto escuro do túnel, sussurrou. — Irei com você.
Karen arregalou os olhos, surpresa. De todas as coisas que poderiam acontecer, essa com certeza não havia passado pela sua cabeça.
— Por quê? Não existem mais motivos para você continuar lutando. Sua irmã ainda está viva, não é? Volte para ela, valorize-a como você não pode valorizar o resto da sua família! Honre a vida que sua mãe e irmãos lutaram tanto para proteger! 
— Não. Ainda não acabou. — Respondeu sem hesitar. — Fui capaz de vingar aquele que assassinou a minha mãe e meus irmãos... Mas o responsável por matar o meu pai ainda vive em algum lugar dessa cidade. A minha vingança só estará completa quando essa pessoa deixar de respirar.
— É isso mesmo que você deseja?
— Não posso apenas sentar e esperar que um milagre aconteça...
Karen sorriu e afagou gentilmente a cabeça da criança.
No que eu transformei você...?
Quando Karen olhava para Sofia, ela enxergava a si mesma no passado, amargurada e obcecada. Vivendo por si mesma e por seus valores corrompidos, sem se importar com a própria vida ou com aqueles que se importavam com ela.
Uma verdadeira guerreira solitária, destinada a morrer sozinha, enterrada em uma vala qualquer como indigente.
— Então venha comigo, criança.
Karen estendeu a mão, mas por dentro estava torcendo para que Sofia mudasse de ideia.

◊ ◊ ◊

Quanto mais avançavam pelo subterrâneo, mais frio e húmido o clima ficava. Mas não era apenas a temperatura que mudava, as emoções das duas garotas também passavam por uma importante transição, especialmente as de Sofia.
A criança que havia chegado àquele lugar escondida atrás de Karen, agora tomava a dianteira. Seu pequeno coração ainda batia disparado, o medo da escuridão ainda assombrava a sua mente, porém, nesse exato momento, sua coragem gritava ainda mais alto. Após perder tudo, ela havia ganhado um novo motivo para continuar vivendo. Mas o que será dela quando esse motivo também desaparecer?
Após uma descida íngreme seguida de uma curva estreita, o piso passou de barro para pedra batida e um amplo salão se abriu à frente. Pequenos feixes de luz desciam por buracos assimétricos no teto, dançando na escuridão e encontrando-se em um único local, onde um homem estava de pé, olhando fixamente para cima. Ao lado dele havia um grande saco de pano, praticamente vazio.
— Tudo está desmoronando... Todo o trabalho da minha vida está caindo aos pedaços como um castelo de areia soprado pelo vento. Tudo graças a intromissão de vocês... — Marcos, que trajava um jaleco ensopado de sangue, voltou-se na direção das garotas com um sorriso torto no rosto. Ele lançava para o alto e aparava um objeto oval, uma das supostas ‘granadas’ que Ellen havia encontrado no dia anterior. — Sejam bem-vindas ao fim da linha.
Karen expandiu a lâmina do seu Sensorium. Sofia se manteve firme ao lado da morena, determinada a não ser um estorvo novamente.
— Quem é este homem, criança?
— Ele é Marcos Arthmael, atual governante de Jothenville.
— Heh... Então era você quem estava por trás das marionetes que enfrentamos agora a pouco? Desculpe-nos, mas enquanto brincávamos, acabamos quebrando alguns dos seus bonequinhos. — Karen deu um passo à frente. — Enfim, vamos pular as formalidades e ir direto para as questões importantes. O que é essa coisa na sua mão? Existem centenas de outras idênticas a ela, estou certa? Onde você as escondeu?
A morena estava com um mal pressentimento com relação àquele objeto e o saco de pano vazio ao lado de Marcos.
— Isto é o meu trunfo. Algo que até um dia atrás eu sequer planejava usar... — Colocou o objeto próximo a um feixe de luz e o fitou como se estivesse observando uma obra de arte. — Mas a incrível Legião de Mahyra surgiu, voltando a população da minha cidade contra mim... Agora não vejo outra opção além de tomar a vontade deles à força...
— Oi, oi... — Karen deu um sorriso torto. — Não entendi uma palavra do que você disse. Poderia repetir, dessa vez com mais detalhes, por favor?
— Uma piadinha atrás da outra. Você deve ser aquele tipo de pessoa especialista em esconder sentimentos. Sempre mentindo na cara dos seus amigos, fingindo não sentir, rindo para disfarçar o medo e a dor. Todos podem estar morrendo à sua volta que você continuará fazendo piadas idiotas. — Marcos cerrou os dentes. — Garota, você me enoja.
Karen começou a brincar com seu Sensorium, girando-o apenas para ouvir o som do ar sendo cortado.
— E o que tem de errado nisso? Sinceramente, essa é a parte da minha personalidade que mais adoro. — Parou de girar a espada e a apontou na direção de Marcos com um sorriso extasiado no rosto. — Eu com certeza vou gargalhar muito quando estiver com a sola da minha bota pressionando o seu crânio, he he he.
Marcos resmungou baixo e, em seguida, lançou a granada com força na direção das garotas.
Reagindo rapidamente, Karen saltou com sua espada e acertou o objeto antes que ele pudesse tocar o chão. Sua intensão era arremessá-lo para o outro lado do salão, mas assim que a lâmina o tocou, uma densa nuvem de fumaça tomou o ar.
— Gás?! Criança, prenda a respiração!
A morena parou de respirar e olhou na direção de Sofia.
Essa não!!
Em um piscar de olhos, Marcos havia passado por Karen e capturado a criança ruiva. Jogar a granada não passou de uma distração para que ele pudesse conseguir uma refém.  
Sofia tentou cumprir a ordem da morena, mas Marcos começou a estrangulá-la, forçando-a a inspirar o gás misterioso.
— Solte-a agora!
Karen abaixou o Sensorium e sacou sua pistola preta. Em resposta, Marcos puxou uma seringa cheia de um líquido carmesim e o apontou para o pescoço de Sofia, iniciando assim um impiedoso impasse.
Karen não podia simplesmente disparar. A única arma com munição que lhe restava estava carregada com balas explosivas que certamente matariam Sofia. Sua carta na manga era o fato de que Marcos não sabia disso.
— Solte-a, ou uma bala acertará a sua cabeça antes que você tenha a chance de mover um dedo.
— Mas se você fizer isso, ela também morrerá, estou certo? — Um sorriso brotou no rosto de Marcos, deliciando o espanto de Karen. — Sim, eu sei... Mas veja por esse ângulo. A morte desta criança é irrelevante, não acha? Independente da aparência, você ainda é um soldado e existem milhares de pessoas lá em cima que precisam ser salvas! Aperte o gatilho e complete a sua missão. Um único sacrifício não é nada nesse momento!
Sua confiança faz parecer que ele estava presente no momento em que a minha munição perfurante acabou... Ainda por cima está fazendo pouco caso de mim. Como você pode ter tanta certeza de que não irei atirar?
O dedo de Karen alcançou o gatilho mas não o pressionou. Pela primeira vez, ela hesitava na frente de um inimigo. Pela primeira vez, ela priorizava uma vida no lugar de uma vitória.
A nuvem de gás liberada pela granada se dispersou completamente, permitindo que a morena voltasse a respirar. Mas para Sofia, já era tarde demais.
— O ar que circula pelos pulmões desta garota está cheio de uma substância que chamo de ‘cura’. Mais precisamente a primeira versão dela. — Ergueu o queixo de Sofia, forçando-a a encará-lo. — Em pouco tempo, seu corpo ficará imune as doenças e ao envelhecimento. Estará mais forte e mais rápida que qualquer outra pessoa... Você, garota, será capaz de viver para sempre... Sinta-se privilegiada.
Sofia entrou em pânico absoluto, já sabendo o que aquelas palavras confusas significavam.
— Irei virar um monstro...? — Suas mãos gelaram com a imagem de si mesma virando um demônio assassino. — Não... Eu não quero isso!
Sofia gritou e iniciou uma série de tentativas de escapar, mas Marcos não permitiu, impondo ainda mais força na sua imobilização.
— Por que vocês não conseguem entender o meu ponto de vista?! — Marcos gritou, frustrado. — Por que são incapazes de enxergar a grandeza da minha criação?! A Aliança Sul-americana seria o primeiro país a possuir uma super raça! Novos seres, superiores em todos os aspectos se comparados aos humanos frágeis que somos agora! Facilmente nos tornaríamos a primeira potência mundial!
Karen franziu o cenho, não gostando do rumo que aquela conversa estava tomando.
— Como a Aliança Sul-americana será capaz de avançar se estiver cheia de monstros irracionais matando a sua população?!
— Eu sou capaz de controlá-los! — O tom de Marcos tornou-se complacente, tentando de todas as formas convencer Karen que o mundo se tornaria um lugar melhor graças a sua criação. — As minhas ordens são absolutas, os novos humanos não são capazes de desobedecê-las. Enquanto eu estiver no poder...
Karen começou a rir sarcasticamente, insinuando que todas aquelas palavras não passaram de uma grande piada ruim.
— Então tudo se resume a isso? Um grande idiota tentando sentar no trono de Deus. Permita-me adivinhar o que acontecerá quando você estiver no poder, maldito ditador. — Karen estendeu os braços e reverenciou Marcos. — Enquanto rastejarmos aos seus pés teremos o direito viver, mas aqueles que o contrariar, serão executados, ou talvez tenham um destino pior, sendo transformados em bonecos sem alma. Não me faça rir. A evolução da qual você tanto se orgulha, não passa de um mundo envolto em medo e retrocesso. A Aliança Sul-americana não será conhecida como um país superior, e sim como um lugar governado por um covarde com um exército de monstros lambendo os seus pés.
Furioso, Marcos pressionou a seringa contra o pescoço de Sofia, injetando completamente a agulha.
— Sua amiga já é um dos meus, porém, o seu destino se tornará uma grande incógnita a partir de agora. O líquido nesta seringa contém uma versão melhorada da Cura, criada a partir do sangue de Owen.
Karen deu dois passos para a frente, perplexa com a revelação de Marcos.
— Não faça isso... Estou implorando...
Pela primeira vez em muito tempo, ela sentia algo diferente de adrenalina correndo pelo seu corpo. Era medo. Medo do que estava para acontecer com Sofia, medo do futuro desconhecido, medo da difícil decisão que estava prestes a tomar.
Marcos apoiou o polegar no topo da seringa, mostrando que não estava disposto a negociar, arrancando gritos de pânico da pequena garota ruiva. 
— Desculpe-me por isso, mas eu preciso de uma cobaia.
Marcos injetou todo o líquido no pescoço de Sofia.
— Nãããoo!!!
Karen estava paralisada, sentindo-se em um beco sem saída. E se Sofia virar um monstro ainda mais forte do que aqueles que ela enfrentou? E se essa ‘nova cura’ acabar se tornando uma epidemia, transformando toda a população de Jothenville em monstros? Os riscos eram grandes demais, ela precisava tomar a sua decisão agora.
Os lábios de Sofia moveram-se em silêncio.

Atire.

Ela preferia morrer a virar um monstro como seu pai, capaz de destruir a família de outra criança. Pelo menos com a sua morte, esse ciclo de ódio e vingança acabaria.
As mãos de Karen sequer tremiam. Seus olhos focados não mostravam quaisquer sinais de que ela iria voltar atrás na sua decisão.
— Sinto muito... Mas não existe outra opção...
No momento em que a morena iria apertar o gatilho, a ponta de um chicote avançou pelas costas de Marcos e enrolou no pescoço dele.
— Argh! — Assim que olhou para trás, o cientista avistou a pessoa que estava manipulando o chicote, Owen. — Ah... Você é realmente um monstro fascinante...
Mesmo após toda a tortura que sofreu na madrugada passada, devido às experiências desumanas, ele ainda foi capaz de levantar como se nada tivesse acontecido.
— Acabou, Arthmael.   
Owen puxou o chicote ferozmente, fazendo com que Marcos soltasse Sofia e caísse de costas no chão.
— Errado, Owen. Eu estou apenas começando, mas para você e seus amigos, o jogo já acabou...
Marcos pegou uma granada no bolso do jaleco e apertou um botão no centro dela. A névoa liberada pelo objeto tomou rapidamente o local na forma de uma impiedosa cortina de fumaça, criando uma brecha para que o cientista pudesse desaparecer na escuridão.
— Owen, esse gás é venenoso!
Karen gritou e imediatamente correu na direção de Sofia, puxando-a pelo braço rumo à saída daquela sala com Owen logo atrás.
Assim que tomaram uma distância segurada da fumaça, Karen largou o pulso de Sofia e foi até Owen com uma expressão furiosa em seu rosto.
— Que merda você pensa que está fazendo, idiota?!
— Você estava prestes a matar uma pessoa inocente.
Karen gargalhou sarcasticamente.
— Owen, você realmente não entendeu o que acabou de acontecer, não é? Então deixe-me explicar detalhadamente. Graças a sua inocente interferência, aquele maníaco está à solta com incontáveis bombas capazes de transformar pessoas em monstros! — Ela socou o peito de Owen com força. — Por ter tentado agir como um maldito herói, toda essa cidade está em grande perigo. Preste atenção... Você pode ser incapaz de morrer, mas lembre-se que eu e todas as outras pessoas lá em cima não possuímos a sua maldição! A não ser que queira carregar mais um genocídio nas costas, faça o que deve ser feito!
Owen não respondeu de imediato, afinal, ele estava ciente de que sua atitude foi precipitada.
— Não se pode colocar tudo em uma balança, Karen. Se você tivesse matado essa criança, iria se sentir culpada para sempre.
— Nesse momento eu não sou importante, Owen! Uma única criança também não! Mas quando estamos falando de uma cidade inteira, a história muda de figura! Aceite o fato de que estamos a todo momento medindo as nossas ações em cima de uma maldita balança! Uma túmulo no lugar de mil?! A escolha é óbvia para mim!
Karen cerrou os dentes e sentou sobre o chão, respirando fundo para tentar recuperar a paciência.
— Não irei me desculpar. Fiz apenas o que achei correto, e farei novamente caso seja necessário.
Owen deu as costas e tomou distância de Karen.
— Você e o meu irmão são verdadeiros idiotas por pensarem dessa forma!
Karen e Owen sempre foram assim desde que se conheceram nos exames de admissão para a Legião de Mahyra, onde por ironia do destino, ficaram presos na mesma equipe. Mas por alguma razão, quando os dois se unem por um único objetivo, acabam se tornando uma das melhores duplas de todo o exército.
— Sofia! — Bianca atravessou o corredor rumo a criança ruiva. — O que você está fazendo aqui?!
— Irmã...?
Assim que Bianca olhou nos olhos de Sofia, um frio repentino percorreu a sua espinha.
São os mesmos olhos... Frios, distantes, solitários... Os mesmos olhos de Aria.
O que aconteceu, Sofia...?
Um sorriso triste tomou o rosto da criança.
— Todos estão mortos, irmã... Todos eles... A mamãe, o papai... Nossos irmãos... Todos eles se foram...
O mundo de Bianca desmoronou nesse momento. O choque foi tão forte que a única coisa que ela pode fazer foi cair de joelhos e abraçar sua irmã com todas as forças. Sofia permaneceu imóvel, incapaz de derramar uma única gota de lágrima.
No outro lado do corredor, Owen suspirava alto.
— Estamos correndo contra o relógio, considerando que as bombas podem estar em qualquer parte da cidade nesse momento. Ficarmos discutindo não ajudará em nada, então é melhor começarmos a agir.
— Fuaa... Você está certo... — Karen deu um sorriso torto e levantou, limpando a sujeira presa na sua saia. — Se Marcos Arthmael planeja mesmo transformar toda a população, as bombas precisam estar em um local que possibilite cobrir toda a cidade com o gás quando detonarem. Vamos nos dividir e procurar por ele. — Karen caminhou até Owen novamente e sacou seu Sensorium, oferecendo-o para o seu parceiro. — Caso encontre-o, faça a coisa certa dessa vez. Esse é o meu único pedido.
— Como o esperado da minha mascote favorita, sempre do meu lado para puxar a minha orelha quando necessário. Quem é a melhor mascote? Quem é? Sim, é você.
Owen afagou a cabeça de Karen, assinando a sua própria sentença de morte.
— PARE DE ME TRATAR COMO UMA CRIANÇA, MALDITO!!
Furiosa, a morena sacou uma das suas pistolas e a apontou para a cabeça Owen, que levantou os dois braços imediatamente, se rendendo.
— Desculpe-me... É força do hábito...
Falou com um tom sarcástico.
— Acho que sei para onde Marcos foi. — Bianca interrompeu os dois Legiors enquanto enxugava as lágrimas. — Existe... uma estufa escondida na igreja de Jothenville. O corpo da esposa dele está depositado lá.
— Uma cura para a morte...
Owen sussurrou.
— Marcos pretende reviver a esposa dele com o líquido que criou a partir do seu sangue? Isso seria impossível, não é...?
Karen fitou Owen com uma sobrancelha levantada.
— Sinceramente, não faço ideia... Estamos falando do meu sangue, afinal...
AAAAAHhhhh!!! AAhh!!
De repente Sofia começou a gritar, agonizando. A criança só não desabou no chão por que Bianca estava segurando-a.
— Sofia?! Sofia?! O que houve?!
Suas pupilas dilataram e seu corpo começou a queimar de febre. As vozes chegavam abafadas aos seus ouvidos, deixando claro que ela estava prestes a perder a consciência.
— So-socorro... AAAHH!!
Karen correu até a criança e tocou sua testa, retirando um pouco do suor frio que descia como uma cascata pelo seu rosto.
— Ei, ei. Acalme-se, vai ficar tudo bem.
Mas Sofia não acreditou naquelas palavras vazias. Ela podia sentir que estava mudando aos poucos.
— Eu... Arg! Não quero... virar um... monstro... Uaa!
— Temos que levá-la para a superfície, agora!
Desesperado, Owen a pegou no colo e começou a avançar pelo corredor escuro. Mas Karen entrou na frente dele e abriu os braços, impedindo-o de prosseguir.
— O que você está fazendo, Karen?
— Coloque-a no chão imediatamente...
— Não é hora para isso, saia da frente!
A morena sacou sua arma novamente, mas dessa vez, não era em tom de brincadeira.
— Solte-a agora. Eu irei matá-la.


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