Chiharu - Capítulo 08



E chegamos mais uma vez com outro capítulo de Chiharu. Agora estamos a um passo do fim deste arco. Como será que ele vai terminar?



Chiharu

Capítulo 8

O sorriso maldoso do marginal novamente me deu nojo. Ele se virou numa meia gargalhada e foi embora. No chão, estavam a garota, com um olhar fixo num ponto sem importância, e as coisas que carregávamos, reviradas e espalhadas pelo chão. Eu fui direto até Hanabi e chacoalhei ela um pouco.

Ei, Yuujimura... Você está bem?

Ela não me respondeu, apenas continuou olhando para o meio da rua, sem nem piscar. Eu juntei nossas coisas nas caixas e olhei para a escuridão da noite. Eu já não podia ver o homem que tinha nos roubado e ameaçado nossas vidas, então eu soprei um insulto no ar.

Maldito...

Após empilhar as caixas uma em cima da outra eu puxei Yuujimura pelo braço para que levantasse.

Ei, levanta...

Ela não respondeu. Seu corpo estava mole, e se eu soltasse seu braço agora ele simplesmente cairia.

Ei!

Eu a segurei com as duas mãos e puxei com mais força, dessa vez forçando-a a ficar de pé.

Vamos pra a minha casa, não está longe.

Eu peguei as caixas e comecei a andar na direção da minha casa, mas fui impedido por uma pequena força que me puxou. Hanabi estava segurando de leve na minha camisa.

...

Eu olhei para a garota desamparada logo atrás de mim. Se ela continuar me segurando desse jeito provavelmente vai acabar me seguindo, então é melhor que eu ande. Como eu pensei, ela me seguiu. Eu olhei para trás incontáveis vezes para ver se não estávamos sendo seguidos...

Afinal, se aquele homem descobrisse onde eu moro... Onde Shizuka está... Eu...

Nunca me perdoaria.

Não demorou muito até chegarmos. Eu botei as caixas no chão e bati na porta baixinho. Nanami abriu e cruzou os braços, pronta para me dar um sermão.

Ei, Makoto, que horas você... O que foi? Você está pálido...

A expressão dela mudou de uma emburrada para uma preocupada, assim que viu meu estado. Eu não imaginava que estivesse tão ruim...

Vamos pra dentro.

Dando uma última olhada lá fora, eu entrei com as coisas e trouxe Hanabi pro interior da casa também. Fechando a porta eu finalmente pude me sentir aliviado. Nana olhou para a outra garota, provavelmente tentando reconhecer se conhecia ela ou algo do tipo, mas sem sucesso.;

Ei, Makoto, diga logo, o que aconteceu?"

Nós fomos assaltados.

O quê?

Eu fiz uma pausa enquanto encarava a madeira do chão.

Ele tinha uma arma, e... Ele levou nosso dinheiro e nossos celulares.

Meu olhar mudou para o conteúdo das caixas. Uma cena na qual ele chutou a caixa depois de examina-la me veio a cabeça. "Só tem lixo!". A voz dele ecoou em mim e eu apertei um punho fechado em ódio.

Mas você está bem? Ele fez alguma coisa com vocês?

Eu estou bem. Ele não fez nada.

Sei...

Ela olhou pra mim querendo me confortar mas sem saber como. Eu devolvi com um olhar de preocupação.

Por favor, não volte pra casa hoje.

Tá.

A resposta positiva dela me surpreendeu de primeira. Eu não queria ter que ir lá fora leva-la, muito menos que ela fosse sozinha, então pedi isso. Fiquei claramente aliviado e sorri para a garota loira.

Obrigado. É melhor você avisar seus pais.

Ela assentiu e foi até a cozinha para fazer a ligação. Eu me voltei para Yuujimura, que ainda permanecia calada e totalmente fora do ar. Eu a conduzi pelas costas com uma mão, levando-a para sentar no sofá.

Yuujimura, você está bem?

É claro que ela não está bem, mas eu não sei o que fazer...

Eu vou pegar um copo de água pra você.

Indo até a cozinha buscar a água, Nana parecia estar no fim da sua ligação.

Não, não! Makoto nunca faria algo comigo! Sim, tudo bem. Obrigado, pai.

Ela desligou o telefone e se virou, corando imediatamente ao ver que eu tinha ouvido parte da conversa.

Mas o que foi isso?

Nada, nada!

Ela fez um gesto exagerado para tentar dissipar o assunto, mas estava claro que ela estava falando algo pervertido no telefone.

“Makoto nunca faria algo comigo” foi um pouco pesado.

Eu sorri sem graça e fui pegar a água para Hanabi. Mesmo com o copo em mãos, a garota não bebeu nada. Nana sentou-se ao seu lado e começou a alisar seus cabelos. Depois de um tempo, ela puxou a cabeça da garota para seu ombro, fazendo ela se deitar. Naquela hora, a expressão de Hanabi mudou um pouco, mais ou menos como se não esperasse por aquilo, mas logo voltou ao seu vazio habitual. Eu resolvi ir até o quarto de Shizuka para ver como ela estava. No momento que eu entrei ali, ela soube que algo não estava certo. E eu soube que ela sabia disso. Eu tentei sorrir para disfarçar e me aproximei da cama.

Cheguei, Onee-chan. O que você está assistindo?

Sabendo que ela não iria me responder eu olhei para a televisão, onde um anime sobre uma garota meio-raposa passava.

Entendo, então você...

Quando eu olhei de volta pra ela, seus olhos estavam brilhando e seu rosto preocupado. Eu perdi s palavras e acabei apenas ficando em silêncio por um tempo.

...

...

Ah! Sabe, a Nana vai dormir aqui hoje. Eu trouxe uma amiga minha também. Vamos dormir os quatro juntos, ok? Eu vou falar com as duas.

Eu me levantei e cocei a cabeça. Indo para a sala, Nana continuava a acariciar a cabeça de Yuujimura. Nós nos olhamos.

Podemos dormir juntos hoje? Não quero deixar essas duas sozinhas.

Sim.

Nanami assentiu e tirou o copo das mãos de Yuujimura, colocando-o sobre a bancada.


. . .


Nós fomos até o antigo quarto de hóspedes, agora vazio, e colocamos 4 futons lado a lado no chão. Se Nana não tivesse aparecido, esse cômodo estaria sujo até onde se possa imaginar. Mas agora estava limpo e livre de teias de aranha, habitável novamente.

Deitamos de forma que eu e Nana ficássemos nas extremidades, colocando Hanabi e Shizuka no meio. Cada um estava deitado de lado, de forma que nossos rostos apontavam para o centro da formação. Shizuka foi a primeira a fechar os olhos, confortada pelo abraço da amiga. Eu tentei fazer o mesmo com Hanabi, abraçando-a e falando em seu ouvido.

-- Tente dormir um pouco, ok, Yuujimura?

Ela não disse nada, mas fechou os olhos depois de alguns segundos. Por fim, sobramos apenas eu e Nana de olhos abertos, observando com carinho as duas meninas tentando dormir. Depois de um tempo nós trocamos olhares, e a preocupação dela caiu sobre mim. Eu tentei sorrir para mostrar que estava tudo bem, mas ela não se convenceu. E era verdade, eu ainda estava muito assustado. Eu senti algo quente envolvendo minha mão no centro dos futons. Era a mão de Nanami que segurava a minha. Eu retribui o gesto, entrelaçando nossos dedos. Nós continuamos nos olhando por um tempo, mas naquela situação confortável, não consegui resistir e acabei caindo no sono.

Naquela noite, dormimos de mãos dadas.


. . .


Quando eu acordei, o calor que cobria minha mão não estava mais lá. Eu olhei ao redor e não encontrei Nana em lugar algum. Shizuka já estava acordada, olhando pra mim. Ela sorriu largamente quando eu acordei, como se estivesse me dando bom dia. Eu sorri de volta.

Bom dia.

Nana surgiu na porta do cômodo e olhou pra mim.

Ah, Makoto, que bom que acordou. Eu tenho que ir pra casa agora, mas já está de manhã, não precisa vir comigo.

Tem certeza que precisa ir?

Sim... Eu vou chegar um pouco atrasada mas preciso ir para a escola. Você devia fazer o mesmo.

Bom... Eu vou pensar.

Eu desviei o olhar com medo da cara emburrada dela, mas ela apenas pareceu compreensiva e sorriu.

Bom... Eu vou indo.

Certo. Pode ir.

Ela sumiu e depois de um tempo ouvi o som da porta da frente batendo. Quando eu me voltei para as duas garotas, Yuujimura também havia acordado, provavelmente com o som da conversa. Seus olhos se viraram pra mim.

Água.

Água? Entendi. Vou buscar.

Eu fui até a cozinha e busquei água para mim mesmo e para as duas garotas. Fiz Hanabi se sentar e dei o copo para ela, enquanto apoiei Shizuka nos meus braços e dei o copo lentamente para ela. Hanabi terminou primeiro e ficou observando enquanto eu dava a água para a garota, provavelmente começando a entender a situação.

Quer ir no banheiro?

Shizuka deu o típico sorriso sem graça de quando precisava ir. Eu sorri e a levei nas costas até o banheiro. Quando eu voltei, Yuujimura estava de pé na sala, olhando minhas fotos de família.

São seus pais?

Sim. Mas eles morreram.

Sei...

Eu sentei Shizuka no sofá. Ela colocou a foto de volta no lugar e seu olhar foi direto ao chão.

Quero ir pra casa.

Entendi. Eu levo você. Shizuka, eu não demoro, ok?

Shizuka assentiu de leve e eu sorri. Em seguida, peguei Yuujimura pelo braço e fiz ela me seguir pelo caminho até a casa dela.


. . .


Você tem certeza que vai ficar bem sozinha?

Sim...

E quanto a seus pais?

Eles vão chegar logo logo...

Entendo... Então, está mesmo tudo bem, não é?

Sim.

... Então... Tchau. Se cuide.

Sim.

Me doía ver a garota sempre enérgica e saltitante daquele jeito depressivo. Eu senti um desgosto amargo na boca e me virei para ir pra casa quando ela fechou a porta.

Acho que eu não vou para a escola hoje... Estou preocupado demais com Shizuka para deixá-la sozinha...

E talvez eu esteja com medo de voltar pra casa, também.


. . .


O dia se passou bem devagar, mas as conversas unilaterais com Shizuka me fizeram sentir melhor e relaxar do estresse diário.

Já passava do horário que eu normalmente teria chegado em casa quando a campainha tocou. Eu fui curioso atender a porta, e me deparei com os outros três membros da minha banda esperando do lado de fora.

Yo!

Kaioshi cumprimentou animado e foi logo entrando. Eu convidei os outros dois menos apressados a entrar logo depois disso, e fechei a porta.

O que vocês estão fazendo aqui?

Akakyo sorriu.

Você faltou na escola hoje, viemos ver o que tinha acontecido.

Mas não se ache, não é como se eu estivesse preocupada com você nem algo do tipo! Esses dois me arrastaram.

Yuragi cruzou os braços parecendo convencida de que seu argumento fosse inabalável.

Que Tsundere.

Obrigado, mas... Vocês não precisavam fazer isso.

Não é nada demais! Então, por que você não foi?

Kaioshi reforçou a dúvida deles e me fez perder a compostura.

Bom, na verdade... É que...

Eu relutei de primeira em falar. Não, Makoto. Eles são seus amigos. Você pode confiar neles.

Na volta pra casa, eu e a Yuujimura... Fomos assaltados.

Os três se impeliram imediatamente para a frente quando ouviram aquilo. Eu resolvi não esperar pela pergunta e continuei a história.

A Yuujimura disse que tinha alguns equipamentos que poderíamos usar para o clube, então fomos até a casa dela para buscar. Mas no caminho até a minha casa acabamos dando de frente com esse cara... Ele tinha uma arma, e levou nossos celulares e nosso dinheiro.

Mas ele fez alguma coisa com vocês? E a Yuujimura?

Para quem não estava preocupada, Yuragi me pareceu bastante afetada.

Não, ele não fez nada conosco. Mas a Yuujimura, bom... Ela ficou muito mal depois disso. Eu deixei ela em casa hoje de manhã, mas estava querendo ir ver como ela está. Ela não foi pra escola também, foi?

Não, mas não sabemos onde ela mora, então não pudemos ir lá.

Akakyo cruzou os braços, pensativo sobre a história. Eu olhei para a janela. Estava começando a escurecer, e meu medo de sair de casa crescia. Ainda mais se isso fosse significar deixar Shizuka sozinha em casa. Mas com eles aqui...

Ei, eu quero ir ver como a Yuujimura está.

Então eu vou com você!

Eu também!

Os dois garotos logo se voluntariaram para se juntar a mim na minha aventura. Mas mesmo assim eu não queria deixar duas garotas sozinhas em casa com o perigo, mesmo que mínimo, de alguém invadir nossa casa. Talvez eu esteja sendo paranoico, mas eu simplesmente não posso arriscar.

Não, um de vocês fica aqui.

Os dois se olharam em seguida, tentando decidir quem ficaria. Mas a decisão foi tomada deles quando Yuragi puxou Osakura pela orelha.

Vocês dois podem ir, eu e o idiota vamos cuidar de tudo por aqui.

Ai!

Ela olhou para Shizuka, sentada no sofá, que também estava ouvindo a história pela primeira vez. Eu sorri para tentar acalma-la, mas ainda assim ela continuou com aquela expressão de 'não vá' para mim. Era de partir o coração, mas era algo que eu precisava fazer.

Tudo bem. Vamos, Akakyo.

Vamos.

Nós dois partimos em direção à aterrorizante noite que vinha ao nosso encalço.


. . .


Não demorou muito para que chegássemos a casa de Hanabi. Estava como ontem, nada havia mudado. Eu andei até a porta e tentei chama-la.

Ei, Yuujimura!

Sem resposta. Akakyo tentou olhar pelas janelas, mas estavam todas cobertas.

Ei, eu vou tentar dar a volta por trás.

Ok, eu vou continuar tentando chamar ela.

Akakyo foi dar a volta por trás provavelmente para tentar ver alguma janela aberta. Eu arrisquei tocar a campainha, mas não funcionava. Então chamei ela novamente.

Yuujimura, sou eu, Makoto!

Akakyo voltou e deu de ombros. Eu olhei mais uma vez para a porta e me virei de costas. Talvez ela tenha saído com os pais, ela disse que eles iam voltar logo... Tentando bolar um pensamento positivo, eu fui embora ao lado de Akakyo.

Está tudo bem, Makoto. Tenho certeza que ela já está melhor.

Tomara...

Akakyo caminhou desleixado com as mãos nos bolsos. Acho que ele é o tipo de cara que não se deixa afetar muito fácil com coisas preocupantes. Seu sorriso sereno passava algo como confiança, ou fé, algo que eu não sei explicar mas que estava precisando no momento.

Ei, tem algo que eu quero ver.

Hm?


. . .


Nós tomamos um desvio e fomos para uma loja de conveniência. Akakyo estava procurando algo na vitrine que eu não fazia ideia do que era. Ele parou numa placa que dizia "Sold Out", ou algo como fim do estoque em inglês.

Droga, acabou...

O que era?

Eu queria comprar uma edição especial de um jogo de Shogi que vi outro dia.

Shogi? Você costuma jogar?

Bom, eu não, mas meu avô gosta.

Ah, entendi.

Com as mãos de volta aos bolsos, ele voltou a andar e eu fui logo ao lado. O sol já havia quase desaparecido da minha visão, nos deixando apenas seus raios de luz iluminando o céu de um laranja escuro. Nós dois viemos conversando sobre uma história engraçada de um mico que Yuragi pagou quando era mais nova, então eu não prestei muita atenção no caminho que estávamos pegando. Quando eu dei por mim, meu senso de perigo ativou sozinho.

Pare.

Eh? O que foi?

Tem algo vindo.

Eu olhei ao redor, buscando por respostas, e então eu vi.

Era aquele lugar.

O homem barbado surgiu do nada, voando direto de um monte de areia da obra. Ele segurava um carrinho carregado de terra, que parecia estar equipado com um motor improvisado que o fazia andar sozinho.

CUIDAAADO!

Sem pensar duas vezes, eu abri a porta da casa residencial atrás de nós e empurrei Akakyo para dentro.

Entra aí!

Ah, o quê?

Eu entrei em seguida e fechei a porta, usando meu corpo para segura-la. O que eu ouvi foi o som do carrinho atingindo a porta com força e o som de terra molhada se espalhando por todo o lugar. O impacto me fez ir um pouco pra trás, mas eu consegui segurar a porta no lugar. A cara de Akakyo foi impagável, mas eu mantive meu rosto frio e calculista depois de quase perder minha vida.

Eu arrisquei abrir a porta e ver o que tinha acontecido lá fora. O homem estava coberto de lama, com o capacete na mão esquerda e alisando a cabeça com a mão direita. Ele riu pra nós como se tudo fosse uma piada.

Eu perdi o controle, Ha!

Eu quero muito dar um soco nele...

Meu senso de perigo, no entanto, ativou mais uma vez. Quando dei por mim, uma senhora estava atrás de nós com um rolo de cozinha mortal em sua mão e um instinto assassino no olhar.

O que vocês pensam que estão fazendo?

Eu nunca corri tão rápido na minha vida. Nós três não pensamos duas vezes depois de ter nossas vidas a um fio de serem tomadas a dolorosas pancadas.

Ei, ruivinho, o pirralho nos colocou em um problemão hein?

Do que você está falando? A culpa é sua! E meu nome é Makoto!

Desculpe, pirralho, eu não consigo te ouvir!

É pirralho, eu também não te ouvi!

Apesar de tudo, o aspecto cuca fresca de Akakyo fez com que ele achasse a situação bastante divertida também. Isso só me fez ficar com mais raiva e gritar de forma que toda a vizinhança deve ter ouvido.

É MAKOTO!

. . .


Eu fiquei totalmente ensopado e sem fôlego... Nós corremos por vários minutos ao redor do quarteirão sem motivo nenhum. Mas foi bom. Eu estava estressado e o exercício físico acabou me acalmando. Eu olhei para Akakyo, que parecia estar num estado bem pior do que o meu.

Isso é que dá ser sedentário.

Ele sorriu admitindo o adjetivo que recebera. O operário se aproximou de nós com 2 latas de chá gelado e um sorriso largo no rosto. Minha raiva ainda não passara por completo, mas eu resolvi aceitar o gesto.

Obrigado.

Akakyo sorriu agradecido.

Então, o que os dois estão fazendo aqui?

Bom, nós fomos perseguidos por uma mulher violenta por causa de um homem maluco com um carrinho motorizado.

Droga garoto, você é sempre tão mal humorado?

Eu não respondi, apenas fechei a cara e desviei o olhar.

O que vocês estão construindo lá?

Estamos construindo um prédio de escritórios.

Oh, é mesmo? Eu não sabia.

Olhando ao longe podíamos ver as vigas se erguendo para o alto e as paredes de tijolo e concreto começando a ser levantadas.

Bom, vocês podem passar lá para ver as coisas a hora que quiserem. É só perguntarem por Hiroshi!

Hiroshi, é... É a primeira vez que eu ouço o nome dele.

Tudo bem, obrigado. Eu sou o Akakyo.

Akakyo não é? HAHA, gostei de você, rapaz!

Ele deu dois tapas nas costas de Akakyo que quase fizeram seus olhos saltarem para longe. O sorriso mal feito de Akakyo quase me fez esquecer a situação pela qual eu tinha passado e rir.

Quase.

O homem em seguida, quase que parecendo uma pessoa totalmente diferente, se aproximou de mim e tocou no meu ombro.

Que bom, não é, garoto? Parece que você fez as pazes com seu amigo.

Nekogami não entendeu muito bem, e nem eu entendi de começo. Mas depois eu lembrei que o homem havia me ajudado e dado aqueles conselhos... É, graças a ele eu fui capaz de pedir desculpas naquele dia. Lembrando disso, desviei o olhar, sem conseguir dizer nada.

O homem sorriu e se afastou, espreguiçando-se.

Oh, como hoje foi cheio! Ah é, o carrinho! Droga, espero que ele ainda esteja inteiro! Tenho que ir, garotos! Ô ré vuá!

Ele se lembrou de algo e usou uma pronuncia bem mal feita de francês para se despedir. Eu ri e cocei a cabeça.

Que personalidade peculiar, não é?

De fato.


. . .


Depois daquilo, voltamos para casa, tendo o cuidado de não passar na frente da casa da mulher enfurecida. O pessoal foi embora assim que chegamos. Quando eu dei por mim, depois deles terem ido embora, Shizuka estava usando o cabelo da mesma forma que Yuragi usava, e eu não consegui segurar o riso. Droga, Yuragi.

Magicamente e, antes que eu percebesse, estar com meus amigos me fez esquecer de todas as preocupações que eu tive. Era esse o poder da amizade.

Mas...

Ainda havia uma pessoa que precisava de ajuda. Hanabi... Acho que amanhã eu vou vê-la.


. . .


No dia seguinte, e no dia depois desse, e então nos próximos dias até a semana acabar eu continuei indo até a casa de Hanabi e chamando por ela. Ela não estava frequentando as aulas e nenhum professor tinha sequer notícias dela, e ela também nunca me respondia. As vezes o pessoal foi comigo, mas acabou não mudando em nada. O domingo chegou e minha preocupação só aumentava. Hoje também eu decidi que iria na casa dela para tentar mais uma vez.

Yuujimura! Está em casa?

Eu olhei ao redor. Algumas cartas tinham se acumulado no recipiente para cartas que havia ao lado da porta. Eu repeti novamente, batendo na porta.

Yuujimura!

Minha mão se moveu até a maçaneta e repousou ali. Eu já havia pensado em entrar lá antes, mas não tive força de vontade o bastante para isso. Dessa vez eu busquei determinação e girei a maçaneta. No início eu achei que estava trancado, mas a verdade é que estava aberto. Eu entrei, tirei os calçados e fechei a porta, entrando a casa silenciosamente.

Não parecia que tudo estava completamente negligenciado, mas a casa claramente não era limpa a mais ou menos uma semana. Eu olhei para os móveis da sala. Havia apenas uma foto, e eu me aproximei do retrato. Nela, estava Hanabi, mais nova, e uma mulher de cabelos azuis escuros com um belo sorriso. Havia um corpo de um homem ali, mas o seu rosto estava rasgado e queimado, de forma que eu não podia vê-lo. Eu me lembrei imediatamente do nome riscado do lado de fora, e engoli a seco.

Com as cortinas impedindo a entrada de luz, estava tudo muito escuro e sem vida. Havia apenas uma porta fechada, que eu presumi ser o quarto de Hanabi. Já que estou aqui, não posso dar para trás. Eu abri a porta e me deparei com a figura da garota coberta com sua colcha, deitada na cama. Eu busquei o interruptor, e depois de aperta-lo, ele piscou e acendeu. A garota então levantou seus olhos e olhou para mim.

Havia várias fotos no chão, todas com a mesma característica: o rosto do homem estava queimado. Pareciam todas fotos de família, com Hanabi em quase todas as suas idades. Eu me aproximei com cuidado para não pisar em nada.

Ei, Yuuji... Não, Hanabi.

Ela levantou o olhar na minha direção, mas não se moveu nem disse nada. Eu a segurei pelos ombros e fiz com que ela ficasse sentada, recostada na parede.

Por que você não está vindo para a escola?

...

... Você está se alimentando direito?

...

... Onde estão seus pais?

Não estão aqui...

Certo, mas onde eles estão?

Eles não estão aqui...

Eu entendi, mas...

Eles não estão mais aqui!!

O grito da garota me fez dar um passo para trás e pisar num pedaço de papel. Eu olhei para o que tinha pisado: uma matéria de jornal. Eu me abaixei para pegar e fiquei horrorizado com o que li.

Homem se suicida após assassinar esposa.

Ela pareceu notar que eu tinha descoberto aquilo pela minha expressão, e começou a falar.

Foi de madrugada. O sol ainda nem estava nascendo... Meu pai chegou bêbado em casa, ele sempre bebia...

À medida que a garota falava, era como se um teatro de sombras se formasse em minha mente, e eu podia ver a história com os meus próprios olhos.


. . .


Eu nunca soube se o que eu imaginei foi exatamente como aconteceu ou não, mas tudo pareceu se encaixar perfeitamente na minha cabeça.

A porta bateu com força contra a parede quando se abriu, e o homem entrou na casa aos gritos.

Onde você está, Sachiko!?

De dentro de um quarto, surgiram uma mãe e uma filha pequena, que se escondia atrás da parede que daria para o corredor.

Querido, você bebeu de novo!?

Eu não quero saber mais das suas mentiras!

A frase acompanhou um golpe que acertou a mulher na face e a derrubou. Surpreendentemente, a mulher colocou um sorriso no rosto e se levantou, usando o próprio corpo do homem que a agrediu como apoio.

Querido, não é nada do que você está pensando... Veja, sinta...

Ela pegou a mão do homem, que tinha ódio no olhar, e colocou sobre seu ventre.

É o nosso bebê. Vamos ter uma outra criança, querido, não é ótimo?

Mentira... Mentirosa!!

Ele teve mais um assalto de ira e agarrou o pescoço da mulher com as duas mãos. A garotinha assustada perdeu os movimentos e a fala, sem conseguir gritar por sua mãe.

Você... Esse filho é dele! Você me traiu! Depois de tudo... Depois de tudo!

A mulher estava prestes a perder a consciência, e tudo que ecoou pela sala foi a voz que estava presa na garganta da garotinha, que agora escapava como uma flecha até os ouvidos do homem.

Para com isso, Papai!

Ele afrouxou a pegada, surpreso pela voz da filha no fundo do cenário. A mulher aproveitou a chance para agarrar um jarro de vidro que sustentava flores em meia-vida e quebrar ele contra a cabeça do marido. Ele deu dois passos para trás, e, livre da pegada, a mãe da garotinha aproveitou para respirar. Foi então que o homem puxou de dentro de suas roupas um aparato mortal e o apontou contra o peito da mulher.

Isso... Isso é tudo sua culpa!

A mulher arregalou os olhos e se virou de costas, numa tentativa de, quem sabe, proteger a filha.

Hanabi!

Disparo. Silêncio.

O corpo da mulher tombou contra o chão, e o líquido vermelho iluminou o negro do teatro de sombras em minha mente. A garotinha se aproximou engatinhando de sua mãe, sujando suas mãos de sangue ao tentar reanima-la.

Papai... Papai, a mamãe não se meche!

O homem deu um passo para trás, como se ele próprio não acreditasse na cena que via.

Papai, o que você fez? Papai!

Eu... Eu...

O homem continuou dando passos para trás até encontrar a parede, e se viu encurralado. Então ele colocou a arma ao lado da sua cabeça.

Isso não pode estar acontecendo... Isso não...

Mais um disparo. E, mais uma vez, silêncio.

Numa tentativa de despertar de um pesadelo, ou talvez com a consciência e com a autopunição do que o homem acabara de fazer, ele tirou sua própria vida.

E a consequência foi que em menos de sessenta segundos, a garotinha perdeu tudo.


. . .


Depois disso eu não sei muito bem o que pode ter acontecido, mas imagino que aquilo não faria menos do que traumatizar a garota. E agora ela estava ali, na minha frente, tendo todas aquelas lembranças reavivadas pela experiência que passou a alguns dias, vendo aquele objeto infernal ameaçando vidas novamente. Eu apertei os punhos, tentando reunir minhas forças.

Eu tenho que fazer alguma coisa.

Me diga, Makoto...

Eu levantei a cabeça e olhei para a garota.

Você é como eu... Você também sabe como é, não é... Ficar sozinho...

Acho que sei...

Mas eu sei de verdade? Eu perdi meus pais, mas eu sempre tive Shizuka comigo. Talvez isso não me deixasse me perder, eu tinha um foco na minha vida. Alguém quem proteger.

Então... Como você consegue sorrir de verdade!?

A pergunta me surpreendeu, e foi como um trem me atingindo frontalmente. Eu me lembrei do sorriso falso que imaginei da mãe dela, e pensei que talvez fosse também uma característica de Hanabi. Talvez todos esses anos ela tenha colocado sorrisos falsos e tentasse parecer animada, para disfarçar sua solidão. Embora ela tentasse muito fazer amigos e deixar todos felizes, as pessoas costumavam não gostar dela por ser intrometida, exagerada e tentar demais. Eu não consigo imaginar o que ela passou todos esses anos... A verdadeira razão por que eu sorrio, é...

Por que eu tenho meus amigos... Por que eu tenho pessoas quem eu quero proteger, pessoas com quem eu posso contar. Acho que eles me fazem sorrir.

É verdade, não é... Mas, eu não tenho ninguém!

Não é verdade! Você tem a nós, o pessoal da Rakuen!

Mas vocês só precisavam de mim por que não tinham cinco membros, não é? Se vocês tivessem cinco membros vocês nunca iam ter pensado em mim!

Não é... Verdade...

Será que mesmo que não é? Eu não consegui colocar veracidade nas minhas próprias palavras por não conseguir acreditar no que eu mesmo estava dizendo. Eu apertei os punhos mais uma vez. Eu sou o pior.

Makoto... Me deixe sozinha.

Não, não tem jeito de eu te deixar...

A garota levantou de vez da cama e pulou sobre mim, me acertando com uma série de golpes com os braços, e me fez começar a caminhar para trás.

Está machucando, mas eu não posso revidar...

Me deixe em paz, vá embora!! Eu não quero saber de você!

Nesse ritmo eu vou acabar saindo pela porta. Minha mão se levantou e segurou o braço dela, mas a imagem do pai dela agarrando o pescoço da mãe veio instantaneamente na minha mente e me fez larga-la. As lágrimas escorriam pelos olhos dela. Hanabi, eu...

Eu recebi um chute que consegui bloquear com os braços em forma de X na frente do meu corpo, mas acabei indo para trás. Ela fechou a porta do quarto e a trancou, mas atacou ela com 2 murros enquanto falava.

Vá embora! Vá embora... Não quero chamar a polícia.

Minha cabeça tocou a porta num lamento quanto a minha própria fraqueza. Eu não consegui fazer nada... Totalmente desapontado comigo mesmo, eu me virei e comecei a ir embora. Eu parei de andar no meio do caminho quando ouvi a explosão do choro da garota. Sem força de vontade, eu continuei indo embora.

Eu sou o pior.


. . .


As nuvens no céu começavam a cobrir o sol. Vai chover logo. Mas mesmo assim eu não me apressei. Apenas continuei minha caminhada lenta e melancólica para casa. Ela se abriu comigo, mas eu não consegui fazer nada. E ainda fugi quando fui ameaçado. Que tipo de homem eu sou? Droga... Desistindo assim...

Mas o que eu posso fazer de verdade?

Minhas perguntas se tornaram ainda mais fortes quando me aproximei do beco onde havíamos encontrado a mãe cadela e deixado o filhote. Mas...

Lá estava o corpo branco inerte, atropelado, no meio da rua. Seus filhotes ainda tocavam a mãe com os focinhos, tentando reanima-la. Lágrimas se formaram nos meus olhos, mas eu lutei com todas as minhas forças para não deixa-las escorrerem.

Por que o mundo tem que ser tão cruel?

Alguém me responda... O que eu posso fazer!?

Meu punho atingiu o muro ao meu lado.

Mas que droga...

. . .

Chiharu - 08

Sessenta Segundos.

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