A Rosa Fantasma - Crianças Movidas Pela Fé, Vingança e Desespero I

A empregada vazia. 



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                                                                                     "Página do projeto"


Interlúdio 2

Crianças Movidas Pela Fé, Vingança e Desespero Pt.1


                                                                               República do Rio – 20 anos atrás

Era uma vez uma jovem empregada que trabalhava na residência da prestigiada família Arthmael. Para alguém que fora abandonada quando criança, encontrar um lar como aquele era a realização de um sonho. Todas as manhãs possuíam um calor agradável, todas as refeições eram saborosas, todas as noites eram confortáveis.
Em um certo dia, a empregada foi designada para trabalhar na casa de um jovem cientista que havia casado há pouco tempo com uma mulher chamada Sarah Amarante.
Tudo correu tranquilamente durante os primeiros meses. A empregada era tratada como um membro importante daquela nova família, onde retribuía todo esse carinho dando seu melhor nas tarefas domésticas. A empregada não pedia mais nada durante as suas orações, pois toda a felicidade da qual ela precisava residia naquela pequena casa.
Mas como tudo na vida, aquele ambiente pacífico também estava destinado a desmoronar.
Durante uma noite de insônia, a empregada percebeu que estava apaixonada pelo cientista. Seu corpo tremia sempre que estava próxima dele, sua voz falhava sempre que tentava conversar com ele.
‘Não posso deixar que meus senhores descubram o que sinto...’
Ao esconder seus sentimentos, a empregada pode preservar aquele ambiente que ela amava mais do que o próprio cientista.
Poucos dias depois, Sarah anunciou que estava grávida. Aquela pequena residência tornou-se ainda mais viva, ainda mais alegre.
‘Mas a distância entre nós ficou ainda maior...’
O anúncio da chegada de um novo Arthmael não foi o suficiente para suprimir os sentimentos da empregada. Durante as noites, ela sonhava que era casada com o cientista. Imaginava como seriam seus filhos com ele. O final feliz com o qual ela sonhou desde que era pequena. Mas assim que acordava e encontrava o espaço vazio ao seu lado, a única coisa que ela podia fazer era chorar.
‘Por que a felicidade daquele que amo machuca tanto os meus sentimentos?’
A empregada perguntou durante uma de suas orações.
‘Será que o mundo pode ser ainda mais cruel?’
Poucos meses depois veio a resposta.
— Você ama ele?
As máscaras caíram. Todas as mentiras foram descobertas.
Sarah Amarante fitou sua empregada com uma expressão séria. Ela já havia notado o comportamento estranho da sua servente, mas com o seu filho prestes a nascer, Sarah sentiu-se na obrigação de confrontá-la.
— Sim...
A empregada respondeu, incapaz de manter seus sentimentos em segredo. Sarah apenas acenou com a cabeça, sem demonstrar raiva ou surpresa.
— Ninguém escolhe por quem se apaixona... Mas não posso permitir que continue nesta casa.
Sarah anunciou com um sorriso sereno. A empregada sabia que esse momento chegaria, mas não estava preparada para o quão desesperador essa situação seria.
‘Tenho que ir embora, mas para onde irei?’
Quando a única coisa que ela sabia fazer era servir, enfrentar o mundo do outro lado da porta era aterrorizante demais. Enquanto arrumava suas malas esse medo tornou-se ainda pior.
‘Se eu apenas não tivesse me apaixonado por ele...’
‘Se eu tivesse sido capaz de esconder os meus sentimentos adequadamente...’
Por causa de algo tão simplório, a empregada perdeu tudo. O amor tornou-se o seu inimigo. Os sentimentos perderam seu verdadeiro significado.
Amar significa sofrer.
‘Se ‘ela’ não tivesse descoberto...’
‘Se ‘ela’ desaparecesse desta casa... Eu poderia ficar com ‘ele’ para sempre...’
A empregada sentia-se sufocada, sua visão estava nebulosa, seu cérebro não era mais capaz de diferenciar o certo do errado.
Amar significa abrir mão de tudo para ficar com quem se ama.
Inconscientemente, a empregada foi até a cozinha, pegou uma faca qualquer e caminhou sorrateiramente até Sarah, atacando-a subitamente. A esposa do cientista caiu inerte sobre o tapete de camurça. Não houve tempo para sentir dor ou medo. O brilho em seus olhos se apagaram, como uma centelha de brasa na imensidão do céu.
A empregada não parou. Cortou o estômago de Sarah e retirou o bebê que ela carregava. O chão da sala de estar tornou-se um verdadeiro mar de sangue.
‘Essa deveria ser a minha filha...’
A criança estava viva nos braços invejosos da empregada. Uma pequena garota que chorava ao inspirar pela primeira vez o ar daquele mundo sombrio.
Amar significa quebrar coisas.
A empregada abandonou Sarah, pegou o pouco dinheiro que tinha e fugiu daquela casa com o bebê em seu colo. Apesar de ter acabado de matar alguém a sangue frio, ela não teve coragem de tirar a vida daquela criança. Seu coração estava cheio de um estranho afeto materno, como se fosse a mãe verdadeira.
‘...Mas não posso ficar com você.’
Durante aquela noite chuvosa, a empregada abandonou o bebê em uma esquina qualquer e fugiu com lágrimas correndo pelo seu rosto.
A criança estava a um passo de morrer por hipotermia quando seu choro fraco chamou a atenção de um jovem casal que fazia turismo pelas ruas da República do Rio. Eles ainda não possuíam filhos, por isso adotaram a pequena garotinha, levando-a para a sua casa, em uma pequena vila ao sul, chamada Jothenville.
Amar significa ter esperanças.
Após livrar-se dos vestígios de sangue que haviam nas suas vestes, a empregada observou de longe a sua antiga residência. Sarah estava morta. O cientista gritava, aterrorizado.
‘Será que finalmente poderei ficar com você...?’
A resposta era, não.
No final, o cientista expulsou todos que estavam no local. Não deixou nem mesmo as autoridades se aproximarem do corpo da sua esposa. Nesse momento a empregada percebeu que havia sido esquecida. Restara apenas luto na mente do cientista. O mundo dele desmoronou no momento em que sua esposa faleceu.
‘Nunca houve espaço no seu coração para mim, não é mesmo...?’
Passou-se uma semana. Enquanto o cientista continuava isolado na sua residência, a empregada estava trancada no pequeno quarto de uma pousada. Ela não se alimentava direito, não dormia, não se sentia mais viva. O dinheiro que tinha havia acabado. Sua única alternativa era viver nas ruas, com aquele sentimento de culpa que não desaparecia.
‘Na verdade, ‘viver’ não é minha única opção. Eu quero ‘viver’, mas dói tanto! O vazio no meu coração machuca mais do que ter meus membros arrancados! Meu amor incompreendido corrói os meus sentimentos, fazendo-me gritar em agonia durante todas as noites. Nunca houve um lugar para mim nesse mundo emudecido. No momento em que manchei minhas mãos com o sangue ‘daquela pessoa’, fui destinada a morrer completamente sozinha.’
No fim, a empregada optou pelo suicídio. Mas antes de tirar a própria vida, ela precisava ver o rosto daquele homem uma última vez.
Após chegar ao seu antigo lar, a empregada encontrou uma casa fantasmagórica e sombria. Ao espiar por uma das janelas, ela achou o cientista caído ao lado do corpo de Sarah.
Desesperada, a empregada arrombou a porta de entrada e invadiu a casa. Tudo estava completamente de ponta-cabeça, com livros, papeis e lixo espalhados por todos os lados. Assim que chegou à sala de estar, ela arregalou os olhos ao notar o estado em que estava o corpo da sua antiga patroa.
Sarah estava corrompida, repleta de cortes profundos que foram costurados posteriormente. Aquela mulher, que antigamente era conhecida por possuir uma beleza invejável, estava ainda mais parecida com uma boneca.
— Você...
O cientista sussurrou assim que notou a presença da recém-chegada. Aqueles olhos cansados mostravam que a empregada era a primeira pessoa que ele via em muito tempo. Não havia vida neles, não havia esperança. Após ter a sua esposa assassinada e seu filho roubado, o cientista abandonou sua alma. Ele também não tinha mais motivos para continuar vivendo.
Amar significa morrer aos poucos.
Por não suportar ver a pessoa que amava naquele estado, a emprega caiu de joelhos e o abraçou forte, enquanto chorava sem parar.
— Você ainda me ama, não é verdade...?
O cientista já sabia dos sentimentos dela, sempre soube. E agora que havia perdido tudo, ele simplesmente se entregou àquela mulher.
Os dois se beijaram e se amaram naquela mesma sala, ao lado do corpo de Sarah, corrompendo ainda mais as memórias alegres que um dia preencheram aquela casa.
A partir desse momento, a empregada e o cientista passaram a ficar juntos. Um era a âncora de sanidade do outro.
‘Finalmente terei meu final feliz ao lado da pessoa que amo.’
Era apenas questão de tempo até as pessoas começarem a procurar pelo cientista, afinal, ele era um homem bastante conhecido, e sua ausência chamava muita atenção. Para fugir dessa perseguição, ele decidiu deixar a República do Rio e recomeçar a sua vida.
O cientista e a empregada arrumaram suas malas e partiram, mas entre as bagagens estava o corpo de Sarah.
Eles se estabeleceram em Jothenville, construíram uma grande casa, mas não uma família.
‘Mesmo depois de morta você insiste em roubar uma parte do coração dele.’
A empregada sabia que no momento era apenas uma substituta, mas ainda tinha esperanças de tornar-se a pessoa mais importante na vida do cientista. Ela só precisava de um herdeiro, que veio poucos meses depois.
Logo após o nascimento da sua filha, o cientista proibiu a empregada de contar que era a mãe biológica da criança. Contanto que esta ordem fosse cumprida, ela poderia continuar vivendo naquela casa, como aquilo que ela nasceu destinada a ser, uma mera empregada.
A única coisa que ela pode fazer foi dar um nome àquele bebê que possuía o seu sangue. Aria.
‘Sarah pode estar morta, mas ela fez questão de levar consigo tudo que era precioso para mim. Minha felicidade, minha família, meu futuro...’
A empregada sentia-se completamente vazia.
‘...E dessa forma as cortinas se fecharam.’
Graças ao seu poder de manipulação e convencimento, o cientista rapidamente assumiu o posto de homem mais importante de Jothenville. Construiu estradas, prédios e o futuro daquela vila, transformando-a numa importante cidade. Ele escondeu o corpo de sua esposa em uma luxuosa construção, com a esperança de no futuro encontrar a tão desejada cura para a morte, e assim ter o seu próprio final feliz.

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