Chiharu
Capítulo 18
. . .
Som de lápis contra o papel.
Esse foi o som que marcou o dia de estudos que tive com
Nana. Normalmente ela não viria no fim de semana, mas visto a aproximação do
período de testes, hoje era um dia excepcional.
— Ei... Depois que eu fizer isso, o que eu tenho que
fazer?
Eu mostrei a folha de papel cheia de números para Nanami,
que analisou-a cuidadosamente até descobrir do que eu estava falando.
— Isso? Mas eu já não te expliquei umas três vezes?
— Desculpe...
Nana suspirou, como quem dissesse 'fazer o quê'. Em
seguida, ela rabiscou duas coisas no meu papel e me devolveu.
— Ah! Então era isso.
Com uma nova luz, eu voltei a responder o problema. Sim,
era assim que estava acontecendo. Ficávamos calados a maior parte do tempo, vez
ou outra eu surgia com uma dúvida. Ainda mais raramente, Nana me perguntava
alguma coisa, embora eu quase nunca - sendo gentil comigo mesmo - soubesse
responder.
Consegui!
Eu finalmente resolvi a questão na qual estava me batendo
há quase meia hora. Com um olhar vitorioso, eu parti para a próxima.
Algo pareceu ocorrer a Nana. Algo que eu não desejava nem
um pouco que ocorresse.
— Ah, sim! Você disse que ia receber os resultados do
teste de história hoje, não foi? Deixe-me ver como se saiu.
— Ah, o que? Não, você deve estar enganada!
Nana olhou para mim, com uma expressão amedrontadora.
Eu sou um ator tão ruim assim?
Derrotado, eu tirei o papel da minha mochila e entreguei
para ela. Eu fiquei de joelhos e com as mãos sobre as coxas, totalmente
nervoso.
Eu não fui particularmente mal, mas se ela não aprovar meu
desempenho, eu estou frito...
O silêncio pareceu durar uma eternidade, mas foi cortado
por um sorriso.
— Está bom! Se continuar melhorando assim, vai recuperar
os danos em pouco tempo!
— É sério!?
Eu sorri, aliviado e extasiado. Todo aquele estudo está
finalmente dando frutos! Com a aprovação de Nana, minha motivação apenas
aumentou.
Beleza, hoje eu vou estudar sério!
Mas isso pode esperar eu olhar quem acabou de chegar pela
porta.
A porta se abriu e uma garota de olhos azuis na cadeira de
rodas adentrou a casa. Atrás dela, estava sua acompanhante, uma outra garota,
mais alta e com uma coloração bem diferente nos olhos. Eles eram vermelhos, parecidos
com o sol do crepúsculo no fim do dia.
O fato de a porta ter sido aberta sem a campainha tocar,
no entanto, já havia entregado a identidade das pessoas.
Afinal, algo assim só e feito por um morador da casa.
Morador...
Mais uma vez, eu remoí isso na minha mente. Sim, eu e Yami
estamos vivendo juntos. Há um único dia, é verdade, mas ainda assim estamos
vivendo juntos.
Mesmo antes disso, Nana já vinha aqui em casa e cozinhava
para mim...
Aaah! Se as coisas continuarem seguindo neste ritmo,
estarei vivendo num harém em pouco tempo...
Nada bom, Makoto! Você não devia se distrair com coisas
assim. Estudos!
Mas é meio que impossível não pensar nisso... Aah, que
droga...
— Estamos em casa.
Yami falou assim que entrou, fechando a porta em seguida.
Neste instante eu me surpreendi com o quanto consegui pensar em apenas um
segundo. A mente de alguém realmente é algo misterioso.
— Shizu-chan, Yami-san, bem vindas.
Nana cumprimentou as duas, com um sorriso. Elas já haviam
se encontrado mais cedo, antes de Yami sair para passear com Shizuka, então não
havia necessidade de surpresas.
Um pouco ao contrário do que aconteceu mais cedo...
. . .
— Eeeh? Vivendo juntos!?
— Bom... Sim.
Yami desviou o olhar, embraçada com aquilo. Eu pude sentir
no olhar de Yami a incredulidade sobre aquilo. Era como se ela não quisesse
acreditar.
Mas ela teria que se convencer, no entanto, principalmente
pelo fato de que Yami estava usando uma das roupas de Shizuka. E mais: Uma das
roupas que Nana havia escolhido. Shizuka e Yami tinham um corpo bastante
parecido, embora Yami tivesse as proporções um pouco maiores.
Ainda em face daquilo, Nana demorou vários segundos para
processar.
— Mas isso é... Totalmente inaceitável!
Eu e Yami nos surpreendemos com o tom alto que a garota
usou. Até mesmo ela ficou surpresa com o quanto havia deixado seus sentimentos
escaparem.
É quase como se, além do óbvio, ela estivesse com
ciúmes...
— Quero dizer! Tenho certeza que você é uma ótima pessoa,
Yami-san, mas viver com um garoto... Além disso, o que as pessoas podem dizer?
— Está tudo bem. Mesmo. Tenho certeza que o Makoto-kun
nunca faria nada comigo. Além disso, eu nunca me importei muito com minha
imagem com as pessoas, então não é nada demais.
Eu não sei se me sinto lisonjeado ou totalmente destruído
por ter sido considerado um cara inofensivo.
— Ainda assim... Me parece meio errado.
. . .
Nana apenas está preocupada. Pelo menos é nisso que eu
acredito. Mas ela sempre foi assim, não há muito o que eu possa fazer sobre
isso...
— Ei,
Yami-san... Me desculpe. É minha obrigação sair com a Shizuka, não devia
fazer você fazer isso.
— Não é problema... Eu que me ofereci, afinal de contas.
A Yami está se esforçando. Ela nunca teve a chance de
conversar com Shizuka antes, e a primeira coisa que sugeriu pela manhã foi
poder passear com Shizuka. Me pergunto sobre o que elas conversaram, e como
Shizuka reagiu à garota que vai viver aqui, a partir de hoje...
Pelo rosto dela, ela não parecia triste. Na verdade,
estava bem feliz.
Eu sorri.
Que bom, não é, Onee-chan? Você acabou de ganhar uma nova
amiga.
. . .
Continuamos estudando até o fim
da tarde. Yami também se juntou a nós. A Rakuen é o que pode se chamar de uma
banda de fracassados. Todos temos problemas com nossas notas, por nossos
próprios motivos...
Eu, por que não tenho muito
tempo para estudar.
Yami é bastante inteligente, mas
não se importava muito com a escola como um mecanismo de chamar a atenção do
seu pai.
Hanabi é agitada demais para
prestar atenção em algo por mais de cinco minutos. Ela é como um caso perdido.
Yuragi simplesmente não está nem
aí.
Akakyo... Eu não sei muito bem o
porquê, mas me parece que ele também não vai muito bem. Ele é inteligente e tem
bastante tempo livre... Uma má influência da irmã, talvez?
E, por fim, Kai... Provavelmente
é por que ele é simplesmente um idiota.
De qualquer forma, o dia acabou.
Eu e a Suzuyama fomos até a porta, e a Kurou nos acompanhou, para uma
despedida.
— Ei, Yami-san... Tem certeza
que não quer um lugar para ficar? Temos bastante espaço lá em casa, se você
quiser...
Oferecer estadia para uma desconhecida...
Ooh, que hospitaleira. Gentil como sempre, Nana...
Mas não destrua minhas
fantasias, eu te peço...
Yami sorriu em resposta,
agradecida.
— Obrigada. Mas isso não seria
apropriado. Afinal, eu não conheço sua família... E também, eu me sinto mais segura
aqui. Desculpe.
Eu corei um pouco. Se 'segura'
quer dizer que ela se sente segura comigo ao lado dela, isso realmente foi algo
além do que eu esperava. Um sentimento de felicidade e vergonha me consumiu,
dando, eventualmente, um tom cão, completamente vermelho ao meu rosto.
— Entendi... Bom, se mudar de ideia,
só precisa falar comigo.
— Tudo bem, entendi.
Yami e Nana trocaram um sorriso.
De alguma forma, eu senti alguma tensão entre as duas. Não que elas não se
gostassem, apenas um sentimento que não consegui captar muito bem.
Eu imaginei as duas garotas
brigando por mim. Novamente um doce para os olhos de se imaginar.
Não, não posso me deixar ficar
com cara de bobo.
Foco!
— E então, podemos ir?
— Sim.
— Eu estarei de volta logo,
Yami-san... Por favor, fique de olho nas coisas por mim.
— Pode deixar.
Yami sorriu para mim. Ela havia
feito isso apenas algumas vezes até hoje, e em cada uma delas eu me encantava.
Aaah, eu me sinto um idiota
apaixonado.
De qualquer forma, você deveria
esquecê-la logo, Makoto... É como ela falou. Nada pode acontecer.
Depois de ficar paralisado por
um tempo, eu acompanhei Nana até o lado fora, depois de ela se despedir direito
da minha irmã. Olhando de volta para tempo, Yami estava acenando. Meu olhar
caiu sobre Shizuka.
— Eu logo vou estar de volta.
Eu sorri para minha irmã, que me
devolveu um outro, gentil e acolhedor, como sempre.
Com isso, partimos pelo caminho
costumeiro em direção à casa dos Suzuyama.
. . .
Nana caminhava ao meu lado, embora parecesse um pouco para
baixo.
Eu quis perguntar sobre o que se tratava, mas andei me
segurando. Ela pode não querer falar sobre isso...
Não trocamos nenhuma palavra desde o momento em que saímos
de casa.
Eu olhei para a estrada. Em menos de cinco minutos
chegaremos lá.
E em seguida, de volta à garota loira. Se tem alguém no
mundo que eu gostaria de chamar de minha melhor amiga, seria ela. Isso quer
dizer que Nanami pode ser a pessoa em quem eu mais confio nesse mundo.
Talvez seja por isso que eu esteja relutante em
pergunta-la. Talvez eu não queira descobrir que ela não pensa em mim da mesma
forma.
No entanto...
Em certo ponto, a angústia de não poder ajudar superou meu
medo, e foi como se as palavras criassem vida e saíssem de dentro de mim, com
vontade própria.
— Nana, você está bem?
— Estou sim. Por que não estaria?
Ela disse aquilo, mas seu olhar continuava voltado para
baixo. Era claro para qualquer um que ela não estava bem, só de comparar seu
rosto de sempre com o que ela tinha agora.
— Você não falou nada esse tempo todo... Normalmente você
conversa bastante, sempre tem alguma coisa para me contar...
— Me parece que você é quem está cheio de novidades
recentemente.
— Eh?
Nana parou de caminhar e olhou para mim. Um olhar um tanto
quanto sofrido.
Por que será? E o que ela quis dizer com isso?
Ei, Nana...
— Não é nada. É que nada de interessante aconteceu comigo
nos últimos dias. Só isso!
Nana fez uma cara de quem se convencia de que estava
falando a verdade. Uma expressão convencida... Essa é nova pra mim, vindo dela.
— Me pergunto se é realmente o caso...
— Claro que é! Não se preocupe. Você deveria estar mais
preocupado é com o resultado do seu teste de inglês da semana que vem!
Aaaah! Não me lembre disso!
Esse é um dos testes em que eu não fui muito bem...
Droga, e ela está ansiosa por isso...
Meu rosto respondeu aos meus pensamentos, enchendo-se de
suor e de um tom roxo que praticamente gritava em desespero.
— E também! Eu não esqueci que você desligou na minha cara
ontem. Você realmente vai ter que me compensar por isso!
Ela começou a caminhar, enquanto eu a seguia.
— Eu já pedi desculpas! Ah, vamos, eu pago um sorvete pra
você!
— Não! Você não vai me comprar tão fácil!
Se fazendo de difícil, hein?
— Então eu vou cozinhar algo pra você.
— Ora, ora! Você, cozinhando algo?
— Ei, eu cozinho! Só não quando você vai lá.
— Bom, eu não posso culpa-lo. Eu que estou te deixando
relaxado.
Eu emburrei a cara.
Relaxado? Você me faz estudar como um condenado. Eu nunca
trabalhei tanto...
Mas não é como se eu também pudesse te culpar.
Nana deu dois passos rápidos para frente, e se virou,
sorrindo, com as mãos atrás das costas.
Vê-la sorrir assim me convence que realmente ela está bem,
eu acho.
— Então, vamos nos despedir.
— Ah, já chegamos?
Eu olhei para o lado, e a casa de Nana estava lá. Foi mais
rápido do que eu esperava.
Eu fiquei olhando Nana enquanto ela subia as escadinhas
até a porta.
Eu senti que o olhar dela estava para baixo de novo. Vendo
isso, eu dei um passo à frente, mas hesitei.
Ela colocou a mão na maçaneta, e eu dei outro passo à
frente.
— Ei, Nana...
Ela parou, pouco antes de abrir a porta.
— Tem certeza que está tudo bem?
Ela levou dois segundos, mas olhou para mim e colocou um
sorriso no rosto.
— Está sim, Makoto! Não tem com o que se preocupar. Nos
vemos depois.
Ela entrou em casa, um pouco apressada. Eu continuei
olhando para porta por algum tempo, confuso.
Eu devo ser realmente um idiota, não percebendo o que há
de errado...
Talvez ela esteja chateada por eu ter desligado na cara
dela ontem? Não, não é isso... É algo que ela não quer me contar. Algo que ela
não se sente confortável para conversar comigo.
O que será que está acontecendo?
— Ah, Makoto!
— Hm?
Nana voltou pela porta, com uma expressão de quem estava
determinada sobre alguma coisa.
— Eu vou na sua casa amanhã, está bem? Você precisa realmente
estudar. Além disso...
Além disso...
— ... Não, não é nada. Tchau.
— Ei..!
Eu estendi minha mão para a porta, que já estava fechada
antes que eu pudesse pronunciar uma única palavra.
Um suspiro.
Desistindo de tentar decifrar a mente das garotas, eu
parei de olhar para a casa de Nanami, cujas luzes ainda estavam acesas, e tomei
meu rumo de volta para a minha casa.
Em meio à passos, eu olhei para cima, encarando o céu
estrelado.
— Nana...
Na escuridão da noite, eu sussurrei aquele nome, no mais
puro silêncio, como um pedido de desculpas.
. . .
— Pronto, terminei.
Eu coloquei a escova em cima da bancada e passei as mãos
pelos cabelos de Shizuka. Eles estavam macios e completamente desembaraçados,
então a sensação de passar os dedos entre eles era muito gostosa. Minha irmã
também pareceu bastante satisfeita em ter seus cabelos lavados logo de manhã.
Yami apareceu na porta, talvez para ver se eu já havia
acabado. Ela sorriu para Shizuka, ao vê-la.
— Você está linda, Shizuka-chan!
Shizuka corou um pouco. Era um pouco incomum para ela ser
elogiada assim por quem não conhecia muito bem. Na verdade ela costumava corar
sempre que conhecia alguma pessoa nova. Acho que minha irmã é uma pessoa muito
tímida. Mas isso é uma das coisas que a faz parecer tão meiga.
— É verdade, Minha onee-chan é linda, não é?
Eu sorri. Claro, eu só consegui provocar mais vermelhidão
no rosto da garota.
Aaah, Shizuka, você não cansa de ser tão fofa!?
— Me espere, tá bom? Eu e a Yami-san vamos pro colégio. Eu
vou fazer algo muito bom pro almoço de hoje!
Shizuka mostrou que havia entendido, com aquele inocente
sorriso. Eu a deitei na cama e liguei a televisão. Um comercial do cereal que
eu gosto. Nele, vários gatinhos pulavam da tigela e cantavam para as crianças.
Sim, é um cereal infantil. Não me julgue, ele é delicioso.
Eu saí do quarto e deixei a porta encostada. Eu e Yami nos
olhamos de uma forma como se disséssemos 'vamos?'.
Então, partimos para a aula.
No caminho, algo me embrulhou o estômago.
Havia algo que eu teria que dizer hoje...
Algo que vai me deixar muito embaraçado...
Com um suspiro, eu entrei pelo portão.
. . .
Ding dong dang dong...
Sinal pro
fim das aulas.
Sala do clube da banda.
— VOCÊS ESTÃO O QUE!?
Akakyo me agarrou pelo casaco do uniforme e me suspendeu
alguns centímetros do chão. A cara dele se aproximou muito da minha, a ponto de
me causar repulsa.
Eu podia ver o suor em seu rosto, quase emanando
adrenalina do seu corpo. Ele me olhava com aqueles olhos arregalados de quem
havia ouvido sobre um atentado iminente e o começo da terceira guerra mundial.
Mesmo que ele me peça pra repetir dessa forma, me sufocar
não ajuda muito...
Ei, me solte, seu idiota!
Quase sem ar, meus olhos reviraram pela sala.
Ficar espantado foi a primeira reação de todos. Em
seguida, cada qual mudou sua expressão para uma inesperada.
Hanabi deu um largo sorriso, como se aquilo a deixasse
incrivelmente feliz. Depois foi partilhar a notícia com um dos seus fantoches.
Ooh, um dragão! Esse é novo.
Yuragi deu um sorriso sugestivo. Muito sugestivo. Na
verdade, pareceu que na cabeça dela passaram pensamentos que vão muito além dos
quais um dia eu sonhei em ter. Que medo...
Quem me salvou foi Kaioshi, que levou o braço até a frente
dos olhos, como se cobrisse o choro. Ele tocou o ombro de Akakyo, que, no
susto, me soltou, deixando que eu respirasse.
Aaah, ar! Fui salvo...
— Eles crescem tão rápido!
Osakura parecia estar chorando no ombro do Nekogami, que
tentava empurra-lo dali, sem sucesso. Claramente, era atuação. Uma tentativa de
tornar tudo hilário, e talvez me salvar.
Espere, isso são lágrimas de verdade? Esse cara não pode
estar falando sério!
Do outro lado da sala, um rosto ficou tão vermelho que
parecia que iria explodir.
E eu falo sério. Eu nunca havia visto alguém ficar tão
envergonhado assim. Pensei que, com tanto sangue no rosto, as artérias dela
fossem explodir...
Yami-san, foi algo tão ruim assim eu ter dito isso de
repente?
Yuragi deu uma cotoveladinha na cintura de Yami. E sorriu
para ela.
— Nice Move.
Você quer apenas piorar a situação, não é, droga!? E por
que em inglês!?
Sem conseguir mais aguentar, Yami me pegou pela mão e me
puxou para fora da sala. Eu não discuti, apenas me deixei ser levado pela
garota de olhos vermelhos. Um segundo antes de sumirmos pela porta, no entanto,
alguém nos chamou.
— Ei, esperem!
Era a voz de Hanabi. Nós dois paramos, mas Yami nem ousou
olhar para a porta. A garota baixinha tinha dois fantoches na mão, o dragão, e
o corriqueiro jacaré.
Ou era um crocodilo? Eu nem lembro.
De qualquer forma, o dragão parecia estar usando o que me
lembrava bastante um véu... Mas o que ela vai...
Ela aproximou os dois um do outros, tocando seus rostos
levemente.
Em outras palavras...
Os dois se beijaram.
Um casamento?
Eu olhei com cara de idiota para Hanabi, que sorriu para
mim.
Ela pode vir a ser uma gênia do mal tão grande quanto
Yuragi...
Impelido mais uma vez, continuei sendo puxado pela garota
na minha frente.
. . .
Yami deu vários goles na bebida gelada que comprou da
máquina de vendas. Então eles ainda vendem coisas geladas mesmo no inverno...
Se eu tomasse algo assim eu provavelmente já teria
congelado. Mas, pelo visto, o sangue quente de Yami falou mais alto e ela
precisou de algo para se refrescar...
Eu senti que deveria dizer alguma coisa, já que ela me
trouxe até aqui...
— Ei... Desculpe ter falado sem te perguntar nada. Não
achei que você fosse ficar tão envergonhada...
A garota abaixou a lata, tomando um segundo para respirar.
— Não... Eles teriam que ficar sabendo mais cedo ou mais
tarde... Você só está certo que foi um pouco repentino pra mim.
— Sim... Desculpe.
Eu olhei para o lado, e ela estava lá, fitando a lata, com
o rosto levemente corado.
Eu acho que eu nunca tinha notado que Yami podia ter um
lado tão delicado, tão... Feminino. Na verdade, acho que ela não havia deixado
isso transparecer até hoje.
Isso quer dizer que, talvez, só talvez, ela finalmente
esteja se sentindo confortável para se abrir conosco...
Ou talvez queira dizer que ela passou a sentir alguma
coisa por mim...
Não, não pode ser, não é?
Afinal, ela falou aquilo sobre segurarmos nossos
sentimentos...
Mas, ficando envergonhada assim, fugindo desse jeito...
Realmente faz parecer dessa forma.
Mas eu não posso ficar pensando nisso...
Eu olhei para a janela que pertencia à sala do clube, no
segundo andar do prédio.
Talvez seja melhor voltarmos...
— Ei, vocês dois!!
Uma voz feminina gritou por nós, da entrada da escola. Era
a voz de Yuragi.
Ela parecia estar exausta, como se tivesse corrido todo o
caminho até aqui. Alguns estudantes olharam com uma cara estranha para ela
quando a viram gritar.
Ela terminou de se aproximar de nós, e eu me levantei da
cadeira.
— Temos novidades sobre o festival!
Sobre o festival?
Ah, sim, o festival escolar que havia sido cancelado...
Ele vai acontecer em algumas semanas, não é? O que será que ela quis dizer com
novidades?
— Como assim?
— A Rakuen vai poder participar! Mas antes, vamos precisar
atender uma condição...
— Que condição?
Yami também se levantou, atenta. Eu sorri.
Viu só? Não foi preciso muito esforço para que o assunto
fosse esquecido. Quase como se não tivesse existido. Bom, acho que é a vantagem
de se ter amigos idiotas como os nossos.
— Vamos precisar fazer uma audição. Precisamos simular uma
música num show!
— Uma audição? Quem vai nos julgar?
— Aparentemente alguns membros do conselho estudantil...
Nós precisamos realmente praticar! Não temos nenhuma música que podemos chamar
de ensaiada ainda!
Yami fez que sim com a cabeça. Da minha parte, também...
Eu ainda não dominei aquelas luzes com maestria, e não sei como ficariam num
show de verdade.
Fazer uma demonstração para o conselho estudantil...
Sério, isso faz parecer como se eles apenas quisessem ganhar um show
particular.
— Rápido, vamos para a sala do clube!
— Vamos!
Nós três voltamos até a sala do clube. Todos pareciam
bastante agitados com a ideia do show, e nós praticamos bastante. A música com
certeza não era o problema. Todos tocavam muito bem, e a animação apenas fazia
tudo soar melhor. O problema estava na empolgação de Hanabi, que as vezes
aumentava o som por demais, tirando a sonoridade da melodia. 'É por que quanto
mais alto melhor!', ela continuava a repetir. Levou um tempo para convencermos
ela do contrário.
Um bom tempo, diga-se de passagem.
O outro problema estava na iluminação. Não que eu não
conseguisse imaginar onde ficaria legal que as luzes estivessem em certo ponto
das músicas. Eu simplesmente não conseguia controlar as luzes direito. Eu
amaldiçoei por várias vezes a minha falta de prática e de coordenação motora,
mas não vou desistir. Até o fim dessa semana, pro dia da apresentação, terei me
tornado um mestre das luzes.
Apenas esperem!
Quando a hora chegou, voltamos para casa. Lá, Nana nos
esperava, conversando com Shizuka, como sempre.
Nós estudamos para a prova de álgebra mais uma vez. Eu
lembrei que no fim da semana eu teria que respondê-la. No mesmo dia da audição,
é... Vai ser um dia cheio.
. . .
Pelo resto da semana, tudo continuou assim. Nana foi para
a minha casa todos os dias, um fenômeno fora do comum. Ou ela estava muito
preocupada com minhas notas, ou tem algo por trás disso... Talvez ela queira
manter o olho em mim e em Yami? Se for esse o caso, ela é protetora demais...
Eu suspirei e afastei o pensamento. Afinal, há coisas mais
importantes para me preocupar hoje.
— Hoje é o dia, não é?
— É...
Nós dois estávamos encarando o prédio da escola, do
portão. Meu pulso estava acelerado, como se eu estivesse prestes a adentrar num
território desconhecido. Nós nos olhamos e trocamos um gesto determinado, dando
os primeiros passos em direção à boca do monstro.
. . .
Sabe aquela regra de que se você ficar olhando pro relógio
o tempo todo, o tempo passa mais devagar? Pois é, não está dando muito certo
para mim.
Já se passou metade do tempo do teste, e eu nem consegui
fazer a metade das questões. Isso é óbvio, já que eu cheguei atrasado... Meu
papel está mais molhado de suor do que de tinta da caneta. Aaah, droga! Nesse
ritmo eu vou acabar não conseguindo terminar...
E se eu não me sair bem, a audição só vai conseguir ser
pior... Aah, droga!
Eu cocei minha cabeça e choquei minha cara contra a mesa,
fazendo alguns alunos ao meu redor resmungarem do barulho.
Instantes depois, eu levantei e peguei a caneta de novo.
Vamos, Makoto, tente lembrar do que você e Nana estudaram
essa semana...
Ah, espere! Nessa questão... Eu posso aplicar aquela
fórmula que ela me ensinou ontem!
Eu voltei a escrever, com o máximo de pressa possível.
Todos estão nervosos, todos estão se esforçando...
Eu também tenho que conseguir!
. . .
Ding Dong Dang Dong...
Finalmente
acabou…
De alguma forma, eu consegui terminar a prova, embora a
pressa possa me ter feito errar algumas questões. Eu enxuguei o suor com a
manga da camisa. Agora, mais calmo, ele fazia com que o frio penetrasse minha
pele com mais facilidade, me fazendo tremer de frio.
De qualquer forma, eu só vou saber como me saí depois do
resultado, então não adianta ficar remoendo isso por agora.
Eu peguei minhas coisas e fui até o banheiro, enxugar o
rosto. Me olhando no espelho, eu me preparei e segui para a sala do clube da
banda.
Todos estavam lá, com rostos tensos e preocupados. Hanabi,
como sempre, não parecia ser afetada pelo bom senso.
— E primeiro você faz assim, e depois... Assim!
Yuujimura fez um movimento em diagonal, seguido de uma
pirueta. Ah, aquela era a habilidade especial dela: Dança com Fantoches. Não
parecia ser um golpe muito efetivo, mas acho que era ele que não deixava o
clima explodir em desespero.
Acho que não se deixar levar pelo bom senso é algo bom, de
vez em quando.
— Pessoal, vamos nos animar! Temos que fazer tudo sair
direito para que eles nos aceitem...Vocês já sabem que não temos uma boa imagem
com o pessoal no conselho estudantil. Temos que parecer positivos!
Eu falei isso e peguei o baixo de Akakyo nas costas. Ainda
tínhamos que levar todo o equipamento para o auditório, e isso levaria duas,
quem sabe três viagens. Yuragi e Kaioshi sorriram, talvez um pouco animados.
— Beleza, pessoal, vocês ouviram! Vamos levar tudo!
— Siim!
Hanabi deu um soco em direção ao céu, concordando com as
ordens de Yuragi. Todos se levantaram, pegaram alguns equipamentos, e começaram
a rumar em direção ao auditório.
. . .
Três viagens ao total foi o que precisamos para trazer
tudo. Não éramos os únicos a sermos testados ali... Aparentemente havia um
outro clube também, um clube de teatro, por isso fizemos o máximo possível para
viajar em silêncio. Eu não vi muito da peça, mas pelos figurinos e pelas falas,
imaginei que fosse sobre algum conto de cavaleiros e princesas ocidentais.
Não é o que se espera de um festival cultural japonês...
Mas vale como cultura também, eu acho. Além disso, os atores pareciam se
esforçar bastante nisso.
No que pude observar, eu percebi que havia uma boa
quantidade de pessoas cuidando da trilha sonora e das luzes. Eu observei o
quanto pude, tendo algumas ideias de como faríamos.
A peça acabou com os atores fazendo uma reverência, e os
sete membros presentes do conselho estudantil aplaudiram. Nós também
aplaudimos. Em seguida seria a nossa vez.
Ah, minhas mãos estão suadas... E eu nem mesmo estou no
palco principal. Só posso imaginar como aqueles quatro estão...
Ao olhar para eles, na verdade, eu me surpreendi. Todos
haviam olhares determinados em suas faces, convencidos de que fariam aquilo.
Yuragi tinha aquele sorriso confiante e irritante de sempre.
Akakyo parecia sério. Muito sério. Tão sério que eu pensei
que ele fosse acertar alguém com aquele baixo.
E Osakura... Bom, é o Kai. Ele agarrou seu braço com a
outra mão, como se quisesse mostrar a todos que fosse o mais forte dali.
— Beleeeza, vou fazer isso!
Yuujimura acompanhou a excitação, girando seu braço direito
num aquecimento para nadadores. Haha... Vocês dois se merecem.
Quer dizer então que sou eu quem está mais nervoso... Não,
eu estava. Com todos confiantes desse jeito, meu nervosismo de repente
desapareceu. Todos estavam olhando para nós, esperando que fôssemos armar tudo
no palco. Duas garotas olhavam mais especificamente para Kaioshi, resmungando
algo sobre ele ser barulhento.
Eu dei uma cotovelada de leve no rim dele, ao me lembrar
de algo.
— Você também teve um teste hoje, não foi? Animado por que
foi bem?
— Não, eu fui uma droga!
— Eh?
Como ele consegue continuar tão animado mesmo indo mal? Eu
estaria devastado a ponto de fazer tudo errado...
— É por isso que eu vou descontar tudo na bateria! Vamos
botar pra quebrar!
Ele agarrou a primeira coisa que encontrou e correu para
levar até o palco.
Nós escolhemos uma música lenta para tocar... Por favor,
não estrague tudo descontando na bateria.
Levou alguns minutos para que armássemos tudo. O pessoal
do clube de teatro discutiu algo com o conselho e saiu de lá, nos desejando boa
sorte.
— Eu espero que eles não estejam planejando tocar uma
música lenta...
Eu ouvi alguém falar baixinho, da arquibancada. Tenho
certeza que todos ouviram também.
— É um festival cultural, então o mínimo que poderiam
fazer é deixar as pessoas excitadas sobre isso.
— Quem se importa? Eles devem ser uma droga mesmo.
O público não está nada ao nosso favor. Principalmente com
a escolha da nossa música... Nós escolhemos algo pela sonoridade, pelo quão bom
havia ficado... Mas não consideramos que talvez não fosse o tipo de música que
eles iriam querer no festival. Todos nos entreolhamos, pensando no que faríamos
em seguida.
A garota dos olhos vermelhos apertou seu violão, e falou
num tom que apenas a Rakuen poderia ouvir.
— Apenas me sigam. Vamos conseguir.
Ela lançou um olhar significativo para mim, como quem
pedia para que confiasse nela. Eu concordei com um gesto de cabeça, e rumei
para o meu destino.
Junto à Hanabi, caminhei até os bastidores.
Examinamos os equipamentos de luz e som que encontramos. O
dela era bem similar ao que ela esteve usando, mas o meu era um pouco... Não,
bastante diferente. Haviam mais luzes e mais variações... Com uma análise
rápida, eu consegui identificar os botões com os quais eu estava acostumado. Eu
vou ter que usa-los e acompanhar o que quer que eles estejam planejando... Vou
dar o meu melhor!
Eu reduzi as luzes, mantendo um holofote apenas na garota
de cabelos negros, a cantora. Ela respirou fundo, e começou a dedilhar as
cordas.
Começou no ritmo que havíamos praticado, o ritmo lento...
Ela não vai modificar nada na música? Então o que ela quis dizer com, me sigam?
Não... Depois de repetir a mesma combinação de notas duas
vezes, ela acelerou. E então continuou o processo de aceleração. Ela repetiu a
introdução da música mais do que deveria, de forma que o pessoal do conselho
estudantil já estava resmungando e se perguntando se aquilo era uma piada.
O que você está fazendo, Yami? Por que você...
Espere...
Um dos instrumentos começou a acompanhar. Era a guitarra
de Yuragi. Seguido do baixo de Akakyo... E então, a bateria de Kai.
Todos estão tão concentrados... Entendi! O que ela está
fazendo é... Mostrar a eles o tempo da música! Todos estão mentalizando aquilo
com o tempo que ela ganhou... Incrível... Eu não conseguiria fazer isso só de
ouvir alguém tocar algumas vezes alguma coisa...
Músicos são realmente impressionantes... Esses quatro são
realmente impressionantes!
Á medida que eles começaram a tocar, eu fui os iluminando,
um a um.
A bela voz da garota de
cabelos negros não deu espaço para críticas. Aqueles incrédulos ficaram
boquiabertos com a qualidade daquilo.
Um dos membros estava
sorrindo. Era o presidente, de cabelos azuis e óculos. Ele que nos concedeu a
permissão para tocar... Acho que ele foi o único que confiou em nós desde o
início.
Toda a cena era como uma única sinfonia. Aquilo era
Rakuen. Aquilo era o fruto da nossa amizade.
. . .
— Banzai!
Eu e os dois garotos gritamos aquilo ao mesmo tempo,
chocando nossas latas de refrigerante.
Nós as viramos, bebendo tudo de vez, e soltando um
"kaaah!', ao terminar.
Nana olhava para todos, um pouco atônita. Ela esperava
mais uma tarde de estudos calmos, mas não um monte de pessoas afoitas assim, na
minha casa.
— Festeje com a gente, Nana!
— Espere um pouco, Makoto... O que é tudo isso?
— Nós conseguimos, Nana! Vamos participar do festival!
— Um festival!
— Sim! Você ouviu isso, Onee-chan!?
Eu olhei para Shizuka, que estava com um penteado
completamente esquisito. Hanabi e Yuragi continuavam a colocar acessórios no
cabelo dela, deixando-a exageradamente decorada.
— Ah.
Ela olhou para mim, sem entender direito o motivo de
estarem fazendo isso com ela.
'Me salve, irmão'.
Desculpe, Shizuka... Essas duas estão fora do meu poder.
Aguente firme.
. . .
E então, a festa continuou. Bebemos e comemos o que
pudemos encontrar na rua, rimos e nos divertimos. Não nos importamos com
estudar para as provas que ainda viriam, pelo menos por hoje. Apenas queríamos
aproveitar.
Com o tempo, Nana também se soltou, sendo sempre puxada
pelas outras garotas. Até mesmo Yami estava mais solta com elas.
E também, Shizuka. Apesar de ser carregada sem poder
resistir, ela parecia estar se divertindo. Na verdade, nunca a vi se divertir
tanto. Eu senti como se ela realmente tivesse sido aceita por todo o pessoal.
Como se todos realmente gostassem dela. Até mesmo os garotos se aproximavam e
conversavam com ela, contando coisas embaraçosas e verdades ocultas que eu
preferia que ela não soubesse... Mas eu não conseguia ficar com raiva.
Minha irmã estava ali, sorridente. Ela finalmente tinha
amigos. E muitos deles.
O mesmo vale para mim. Eu tenho amigos incríveis... Amigos
que fazem coisas que eu nunca conseguiria fazer.
Talvez em breve esses dias felizes vão acabar...
Em breve seremos membros da sociedade, e não teremos muito
tempo para nos divertirmos...
Mas, apenas por hoje, decidimos que não nos preocuparíamos
com nada.
É por isso que até o fim do dia, nós vamos continuar
aproveitando...
A nossa juventude!
. . .
Chiharu - 18
Juventude
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