Chiharu - Capítulo 05



Finalmente Chiharu reapareceu após um tempinho hein? Tenham uma boa leitura!
Não esqueçam de curtir nossa página!




Chiharu

                                                                Capítulo 05

Eu já havia mexido em todos os cantos que consegui imaginar desse armário.
Droga, como eu fui me meter nisso...


. . .


Mais cedo, ainda hoje...

Desculpem!

Eu fiz uma reverência no meio do corredor na frente dos três jovens. Eles olharam como se achassem aquilo completamente desnecessário.

E-ei, o que você está fazendo assim do nada? As pessoas vão achar estranho.

Akakyo comentou. Eu estava corado por fazer aquilo. Eu fui levantando bem devagar e olhei no rosto dos três, mas sem conseguir fazer muito contato direto.

Eu agi muito mal com vocês ontem, então... Desculpem.

Yuragi deu um passo a frente e colocou as mãos na cintura. Eu dei um passo para trás como reflexo.

Não pense que vai ser assim tão fácil, perdedor.

Acho que me surpreendi. Ela se virou de lado e falou de nariz empinado.

Se você quer realmente as desculpas de alguém então a conquiste.

O dedo indicador dela veio parar a milímetros do meu rosto.

Hoje, na minha casa. Pode trazer suas armas. Eu vou te derrotar em qualquer jogo, a qualquer hora e em qualquer lugar.

A atitude dela me irrita. Eu desviei o dedo com a mão direita e a encarei,  determinado.
Se é isso que você quer...

Faíscas saltaram de nossos olhos.


. . .


E agora estou aqui... Eu tossi um pouco com a poeira. Meu rosto não está nada agradável. Acho que é melhor desistir e...

Achei!

Eu tirei a fita adesiva de uma caixa de papelão. Eu finalmente encontrei o que estava procurando.

Já faz um tempo, amigão...

Eu disse enquanto fitava o conteúdo da caixa. Eu a fechei e passei no quarto de Shizuka para avisar que estava saindo. Eu fiz Osakura e Nekogami me esperarem lá fora, eles já devem estar impacientes com o tanto que os fiz esperar. Eu saí pela porta da frente e os dois estavam lá, desleixados, olhando para lugar nenhum em particular.

Yo!

Nekogami sorriu.

E então, encontrou?

Sim. Com isso eu certamente não serei derrotado!

Eu fechei um punho no ar. Osakura se exaltou junto comigo.

Ah cara, eu estou ansioso pra ver o que é! Se for algo que possa derrotar aquele monstro com certeza vai valer a pena o ingresso!

Mas você não está pagando nada...

Droga, você entendeu!

Eu sorri ao ver os dois enérgicos como sempre. Eles me passavam uma aura positiva que não conseguia me deixar de mau humor. Eu notei algo se aproximando pelas minhas costas e então me virei. O que me deparei foi com uma garota loira que parou de caminhar quando eu a percebi.

Boa tarde, Makoto.
Ah, Nana!


Ela se inclinou um pouco para a esquerda para ver as duas figuras atrás de mim.

São seus amigos?

Eu olhei pra trás e vi que os dois estavam completamente eretos e com uma postura tão digna que foi até estranho ver. Eu suspirei.

Não, eu não os conheço.

Eu ouvi a voz de Kaioshi explodindo num tom baixo atrás de mim.

Ei, nos apresente, maldito!

Pelo visto Nana ouviu e riu baixinho daquilo.


Bom, o cara de cabelos ruivos é Nekogami Akakyo.

Prazer.

Ele levantou a mão e ela acenou com a cabeça em resposta.

E o idiota de cabelos brancos do outro lado é Osakura Kaioshi.

Sim, esse sou eu... O que você quer dizer com idiota!?

Ele me deu um cascudo enquanto me imobilizava com o outro braço. Eu tentei me livrar mas ele era bem mais forte que eu então a tentativa foi falha. Nanami riu de novo daquilo e juntou as mãos na alça de uma sacola de compras que eu só havia notado agora. Ela fez uma pequena reverência e se apresentou.

Eu sou Suzuyama Nanami. Amiga de infância do Makoto. É um prazer conhecer vocês. Makoto, eu vou fazer sopa pro jantar hoje, você gosta?

Ah, bom... Sim... Sem problemas.

Eu cocei a cabeça meio sem jeito. Ela sorriu e abriu a porta com a chave reserva que eu dei a ela.

Então vá e se divirta com seus amigos. Eu estarei aqui quando você voltar.

Obrigado. Tchau...

Eu ergui a mão  ela sorriu se despedindo, e depois fechou a porta. Kaioshi me agarrou pelos ombros e me carregou até o muro do outro lado da rua, me jogando de costas contra ele.

Maldito, por que você esteve escondendo ela esse tempo todo!? Não pode ser, será que... Você é na verdade um traficante de mulheres que esconde elas na sua casa!?

Claro que não... Me solta.

Eu tentei me livrar mas ele me empurrou de novo. Eu olhei para Nekogami buscando ajuda, mas ele parecia, incrivelmente, tão interessado naquelas informações quando Osakura.

Espere aí, você está dizendo que ela está fazendo isso por vontade própria!?

Isso é óbvio...

Então... Espere aí... Por acaso ela é sua esposa?!

Aquilo estourou minha cota de idiotices e então eu atingi a cabeça dele com meu punho fechado, num golpe descendente.

Mas é claro que não! Eu nem mesmo uso aliança! Você ouviu ela dizendo, não foi? Ela é só minha amiga de infância.

Osakura levou as mãos a cabeça. Eu fiquei feliz por aquilo tê-lo calado por algum tempo. Nekogami olhou pra mim e foi a vez dele de falar. Ele tinha uma expressão acusadora.
Então você  manteve uma garota bonita assim em segredo esse tempo todo... E pensar que eu confiei em você...

Eu me controlei para não atingir Nekogami e causar ao meu punho sofrimento desnecessário. Ao invés disso eu suspirei e caminhei na direção da casa dele.

Esqueçam isso. Vamos andando.

No caminho, algo me intrigou.

Será que... Eu estou com ciúmes?


. . .


Não demorou muito para chegarmos na casa dos Nekogami. Kyo rodou a chave na porta e revelou o interior da casa. Lá estava ela, minha inimiga, minha rival. Ela já tinha trocado de roupa e vestia uma camisa larga desleixada de algum time de baseball, que era o bastante para cobrir o short que imaginei que ela estivesse usando. Ela também usava um boné pra trás e na boca carregava um palito de dente. Se ela fosse uma criança eu diria que ela parecia filha de um pai que queria muito ter um garoto.

Ela sorriu sarcasticamente ao me ver. Minha expressão estava séria como se aquilo fosse a final de alguma coisa importante.

Com licença.

Eu falei num tom convencido e entrei na casa. Me sentei na frente da televisão e abri a caixa, revelando seu conteúdo. Todos se aproximaram curiosos. Kaioshi falou, seguido por Akakyo.

Isso é...

Não pode ser...

Yuragi fez uma cara nojenta de desprezo.

Mas que velharia é essa?

Isso é um zMez!

Osakura retirou o console da caixa e examinou. Ele estava um pouco acabado, ja que é da época que eu era muito pequeno. Eu, Shizuka e Nanami jogávamos de vez em quando. Eu lembro que preferíamos fazer outras coisas, por que elas eram muito ruins e eu não gostava de jogar com elas. Não, na verdade, acho que era o contrário. Haha, eu era bem reclamão naquela época... Acho que tivemos boas brigas por causa dos jogos. Desde que Shizuka ficou doente eu não tive tempo pra jogar, mas... Se é algo que eu jogava naquela época eu estou confiante que posso derrotar mesmo um monstro!

Nós retiramos os fios e montamos o console na televisão. Eu e minha oponente nos sentamos nos sofá, enquanto os outros dois sentaram um de cada lado, no chão, olhando pra tela como crianças hipnotizadas. O jogo que estava lá era Mega Lario Land, um jogo onde um eletricista podia pular sobre a cabeça de monstros para derrota-los e salvar a fada da terra dos doces das mãos do terrível feiticeiro. Era um jogo bem infantil e com gráficos antigos, mas ela disse claramente que me derrotaria em qualquer jogo. Nós nos olhamos, antes de apertar o start.

O método vai ser 'Time Attack'. Quem terminar o primeiro mundo em menos tempo vence. Você tem um cronômetro?

Eu tenho!

Akakyo deu um sorriso bobo com um cronômetro em mãos. Isso foi incrivelmente conveniente. Eu sorri.

Cuidado, moça. Você está em território inimigo agora.

Isso quer dizer que eu só preciso conquista-lo, não é?

Ela parecia confiante apesar de tudo. Eu apertei o start e Akakyo fez o mesmo com seu cronômetro. Eu demorei bem mais do que deveria na primeira fase. Meu cérebro demorou um pouco para relembrar os comandos e os atalhos que eu deveria pegar. Eu percebi que ela estava prestando atenção em tudo que deveria fazer na vez dela. Eu tive certeza de pegar os caminhos mais difíceis que achei que ela não iria conseguir. Na penúltima fase do primeiro mundo havia um lugar onde você poderia pegar um super bônus se pudesse saltar por cima de uma grande distância. Boosts de velocidade, montaria, super salto, tudo bem... Eu tenho tudo, vamos lá!

Eu arrisquei um salto no tempo que achei que seria o correto e vi meu personagem voar para pegar o super bônus. Eu ouvi um 'oh!', vindo dos dois rapazes quando viram o salto, e eu comemorei silenciosamente quando obtive o bônus que queria para enfrentar o chefão na última fase. Eu consegui derrotar ele sem problemas no menor tempo possível, obtendo um rank 5 estrelas quando terminei o mundo. Eu cocei o nariz. Acho que ainda tenho o jeito.

E então, pode fazer melhor?

Pela primeira vez eu senti que ela ficou abalada. Nós olhamos para o cronômetro. 18 minutos e 37 segundos. Osakura assoviou com o tempo. Nós resetamos o console e então foi a vez dela de dentar. Ela fechou os olhos para se concentrar antes. Após um ou dois segundos, ela abriu eles determinada e apertou o play.

O que se sucedeu disso foi, com toda certeza, uma das vezes que eu mais ri em toda a minha vida. Ela conseguiu se sair ainda pior do que uma criança completamente iniciante. Ao invés de ir pelo caminho convencional ela teimou em ir pelos mesmos caminhos que eu fui. O resultado disso foi que na primeira fase ela já havia perdido todas as suas vidas, e também três pessoas quase sem ar nos pulmões. Kyo se debruçava sobre o sofá enquanto o martelava com uma série de socos surdos. Kai estava deitado no chão com os braços sobre os olhos. Eu estava de joelhos com as mãos na barriga. Derrubei o controle mas não me importei com isso. A garota se levantou numa rajada de fúria e jogou o controle na cabeça do irmão, que parou de rir por um momento para protestar contra a dor.

Calem a boca, vocês são uns idiotas!!

Ela estava corando de uma forma a ficar quase da cor dos seus cabelos. Eu parei um pouco para escutar as lágrimas e ouvi a porta se abrir. Eu lembrei da figura do velho que vi da última vez. Ele entrou e olhou para os 4 jovens alojados na sala da casa dele.

Ora ora, pelo visto estamos tendo uma festa aqui, não é?

Akakyo ainda não conseguia tirar o sorriso do rosto.

Ah, você chegou, vovô.

Vocês parecem estar se divertindo...

Ele olhou um pouco para o ambiente e depois diretamente para mim.

Ei, você, de cabelo castanho. Venha cá. Preciso de sua ajuda.

Hm?

Eu fiquei um pouco surpreso. Mas eu estava na casa dele e não iria me recusar a ajudar. Eu me levantei e então fui na direção dele. Yuragi bateu com a mão na madeira do piso.

Ei, onde você pensa que está indo!? Nosso duelo ainda não acabou!

Ah... Não se preocupe, eu estou bem com meu recorde atual, se você conseguir chegar perto dele me avise.

Eu tive certeza de colocar um tom irônico que atingiu o objetivo de irrita-la. Ela se dobrou na direção do console e o resetou, começando um novo jogo com uma expressão de raiva na face.

E então, no que você queria que eu aju... dasse...

Cara de bunda. Isso definiu muito bem a minha cara quando eu vi a quantidade de sacolas do lado de fora.

Como o senhor conseguiu trazer tudo isso sozinho?

Ah, bom... Eu fiz um casal de funcionários da loja trazerem até aqui.

Eu pude imaginar os dois funcionários trazendo isso sobrecarregados todo o caminho... Coitados...

Você pode me ajudar a levar tudo lá pra dentro?

Eu cocei um pouco a cabeça. Não tinha problema com isso mas tem algo que quero saber...

Por que pediu pra mim?

Você é o meu amigo preferido dos meus netos. Aquele outro é um idiota.

Bom, eu não posso discordar.

Satisfeito com a resposta, eu peguei algumas sacolas e comecei a levar lá pra dentro. Eu precisaria de pelo menos 4 viagens pra levar aquilo tudo, e isso só me fez sentir mais pena dos probres funcionários. Eu decidi pedir a ajuda de Osakura.

Ei, Osakura. Vá lá fora, estamos precisando de ajuda.

Hm? Ok...

Ele se levantou no mesmo tempo que eu ouvi o som de Yuragi morrendo novamente. Ela gritou e bateu as pernas em frustração, como uma criança.

Você passou na minha frente, retardado!

Hã? Do que você está falando, eu só me levantei!

Droga, passa logo!

Ai, ai!

Ela começou a chuta-lo e ele se apressou para ir até lá fora. Eu pude ouvir as vozes deles de longe enquanto ia na direção da cozinha.

O que houve?

Desculpe pelo incômodo. Mas um rapaz forte como você não vai ter problemas em carregar isto não é?

Sem problemas, mas eu não sou realmente tão forte assim.

É sim! E não conte isso ao outro mas você é meu amigo predileto dos meus netos.

Ah, que isso! Hahaha!

Eu fui enganado.

Mesmo frustrado eu deixei as compras num lugar que me pareceu apropriado. Na volta eu cruzei com Kai e o velho, que sorriu pra mim. Eu sorri torto pra ele de volta. Aquele sorriso me pareceu extremamente irônico. Nós terminamos o trabalho em pouco tempo, e ficamos por ali, de bobeira, conversando enquanto víamos de camarote as suscetíveis derrotas de Yuragi. Como resultado, ela acabou ficando me devendo um lanche completo.

Ah, amanhã será um dia glorioso.


. . .


Eu me despedi do pessoal no fim da tarde e fui pra casa. No fim das contas, Yuragi conseguiu chegar apenas até o terceiro nível, continuando teimosa em tomar os mesmos caminhos que eu. Osakura resolveu ficar até um pouco mais tarde então também não me acompanhou até em casa. Como de costume, eu fui recebido com um sorriso caloroso. Não passou muito tempo e eu levei Nana até a casa dela, dessa vez um pouco mais cedo que o normal.

Então, eu e a Shizu-chan...

Eu escutei atentamente tudo que ela tinha pra dizer. E foram muitas coisas. Primeiro eu acho que não entendia por que a Nana era tão boa pra nós, mas ela parecia se divertir com a Onee-chan... Eu estou começando a achar que aqueles dias felizes podem voltar novamente.

Naquela época...



. . .


Quase lá... Quase lá...

Eu estava concentrado jogando no zMez, um jogo simples de coletar ouro e conseguir pontos. Quanto mais avançado ficavam os níveis, surgiam bombas e alguns outros obstáculos na frente do meu personagem, e o jogo também ficava mais depressa. Eu estava no nível 39, se eu alcançasse o 40 eu iria finalmente bater o recorde...

Conseguiu!

Isso!

Nana juntou as mãos maravilhada com aquilo. Eu ergui o punho esquerdo em comemoração pro teto e Shizuka bufou as bochechas emburrada. Eu tinha batido a melhor pontuação dela e aquilo não tinha deixado ela nada feliz.

Me dá isso, eu posso fazer melhor!

Ei, o que você está fazendo? Para!

Nana balançou os braços totalmente sem saber o que fazer.

Me dá o controle..!

Solta, ei..! Você vai me fazer morrer!

Naquele momento eu pude ouvir o som de uma bomba explodindo no jogo. Meu personagem voou para fora da tela e então caiu, dando espaço para o símbolo de Game Over. Shizuka largou o controle e virou o rosto pro lado. Eu apertei o controle com força e então voei para apertar as bochechas dela.

Ora, sua!

Ai, para com isso!

Nós caímos no chão e começamos a rolar com ela tentando se livrar dos meus beliscões. Nana ficou com os olhos cheios d'água. Ela sempre foi uma chorona. Ela me agarrou pelos ombros e começou a me puxar.

Parem com isso... Vocês dois...!

Foi uma chance pra Shizuka. Eu bobeei com o pedido de Nanami. Que erro. Shizuka voou na minha orelha e me mordeu.

Meu grito de dor ecoou por toda a vizinhança.

Segundos depois meu pai apareceu da cozinha com um avental rosa. Ele possuía cabelos brancos iguais os da minha irmã, mas os olhos dele eram iguais aos meus.

O que está havendo aqui?

Nada.

Eu e Shizuka respondemos juntos e nos olhamos, virando o rosto em seguida. A cena que meu pai viu foi uma Shizuka com bochechas vermelhas e um Makoto com uma orelha maior que o rosto. Nanami estava envergonhada então escondeu o rosto atrás de uma almofada. Meu pai sorriu.

Os hambúrgueres vão ficar prontos logo.

E realmente não demorou. Alguns minutos depois começamos a comer juntos e a rir quando Nanami se melou com Ketchup. Meu pai tinha acabado de chegar para comer com a gente quando isso aconteceu e isso fez ela ficar muito vermelha. Nós rimos mais. Sem perceber já tínhamos feito as pazes. Era assim que era naquela época. Tudo ia e vinha muito fácil. Eram momentos onde não precisávamos nos preocupar com nada e não tínhamos responsabilidades... E éramos muito felizes.

Meu pai era uma pessoa muito gentil e todos gostavam dele. Ele não tinha um emprego fixo e sempre trabalhava fazendo alguns bicos. Minha mãe era formada em biologia e trabalhava como pesquisadora e professora. Ela não passava tanto tempo em casa quanto meu pai e era mandona. Meu pai nunca se metia quando ela brigava ou tinha ataques de raiva. Ele sempre sorria de um jeito gentil que acalmava a mamãe. Ela tinha cabelos castanhos mais escuros que os meus e olhos azuis muito bonitos. O corpo dela era muito bonito também, e ela era muito jovem. Apesar de ser um pouco esquentada eu sei que ela nos amava muito. As pessoas pareciam respeitar muito ela e elogiar o quanto era inteligente...

Mas...

Mesmo eles sendo pessoas tão boas, o destino não se importou. Os dois foram tirados de mim naquele acidente... O médico que eles estavam trazendo morreu também. Tenho certeza que era uma pessoa ótima... Eu revirava aquela notícia no jornal e meu coração sempre doía. E a condição de Shizuka piorando... Eu estive a ponto de perder a mim mesmo. Mas eu tinha que ser forte por nós dois.


. . .


Mesmo separados nós mantivemos nossos laços. E acho que foi isso que me fez pensar que podemos voltar aquela época feliz que tínhamos.

Ei... Makoto.

Hm?

Eu acordei do meu transe habitual com a voz doce da garota loira atrás de mim. Ela havia parado de caminhar por alguma razão.

Nós chegamos.

Ah, entendo...

Ela disse aquilo com um sorriso compreensivo e eu olhei para a casa dela. O jardim era muito bonito. A mãe dela sempre cuidou muito bem do jardim, era o hobbie dela. Nana subiu as escadinhas da casa e abriu a porta.

Estou em casa!

Ela falou com uma voz animada e fez um gesto convidativo com a cabeça.

Hoje você está livre um pouco não é? Minha mãe  quer muito conversar com você.

Aquele sorriso e as mãos atrás das costas me fizeram pensar no quão delicada ela continuou mesmo com o passar dos anos. Eu dei um sorriso meio envergonhado e entrei, falando baixinho pra não incomodar.

Com licença...

A mãe de Nana apareceu com um avental e uma vassoura em mãos. Ela era uma mulher de meia idade com algumas marcas de expressão, e usava um cabelo loiro acima dos ombros. Seus olhos eram castanhos e seu rosto passava experiência e ternura.

Bem vinda. Ah, Makoto-kun, você veio! Desculpe pelo estado da casa, está uma bagunça!

Ela ficou um pouco envergonhada. Eu também corei.

Não mesmo! Está tudo muito arrumado, a senhora sempre foi muito organizada, Suzuyama-san.

Ela levou a mão ao rosto corado e sorriu gentilmente.

Ora, Makoto-kun, você se tornou um rapaz educado.

Eu me lembrei de como eu era agitado e bagunceiro naquela época. Envergonhado pelos problemas que já causei eu desviei o olhar e cocei o rosto.

Que nada...

Ah, já sei! Eu vou preparar um chá. Por favor, sente-se!

Ela entrou na direção do que imaginei ser a cozinha. Pela primeira vez notei que Nanami tinha nos deixado e estava provavelmente no quarto dela, guardando as coisas. Eu sentei ao redor da pequena mesa na sala de estar e esperei pacientemente enquanto observava o cenário. A casa era simples e muito bem decorada. O chão feito de madeira estava geladinho e era uma sensação gostosa nos pés. Eu podia ver algumas fotos de família em cima das bancadas. Nelas eu via Nanami com várias idades junto com o pai e a mãe, e também uma do casamento deles. Elas pareciam seguir uma ordem cronológica, e numa das últimas eu jurei que via a imagem de uma criancinha. Eu estiquei o pescoço pra tentar ver melhor.

Ai!

Nesse momento fui atingido por algum objeto redondo na cabeça.  Eu olhei pra trás e vi a figura de uma pequena garotinha que devia ter uns 3 anos. Ela tinha cabelos loiros que nem chegavam aos ombros e olhos castanhos ameaçadores. Na mão esquerda havia um coelhinho marrom quase do tamanho dela. Era uma visão fofa e ela ficava toda vermelhinha com aquela cara. Eu sorri e tentei ser amigável.

Olá. Como é seu nome?

Ataque do coelho!

Eu fui surpreendido por um coelho que foi atirado na minha cara com força. Na verdade foi um golpe corpo a corpo, por que a garotinha estava enterrando a pelúcia na minha cara. Eu comecei a balbuciar coisas impronunciáveis tentando fazer a garotinha parar sem tocar nela. Quando eu já estava começando a ficar sem ar e prestes a tomar uma providência a voz calma da minha amiga de infância ecoou pela sala.

Vamos, Airi, pare com isso.

Ela levantou a garotinha pelos braços, fechando um abraço que a sustentava no ar. O abraço de urso foi seguido de um beijinho na bochecha.

Onee-chan! Quem é esse garoto? Ah!! Ele pegou o Mr. Coelho!

O coelho de pelúcia acabou indo parar no meu colo no fim das contas. Ela se livrou do abraço e eu ergui o coelho na direção dela. Ele foi tomado com força da minha mão e a garotinha fez uma cara emburrada e foi se afastando. Um pouco antes de sumir da minha vista ela se virou e apontou o dedo na direção do meu rosto.

Eu odeio você! Se você aparecer aqui de novo não te perdoarei!

Essa fala foi seguida pelo som de uma porta batendo. Eu suspirei e então olhei para Nanami, que agora estava usando uma roupa mais casual mas ainda assim arrumada, provavelmente por que eu estava lá. Ela se sentou e a medida que ela se sentava eu a observava boquiaberto. Ela era minha amiga de infância mas tenho que admitir que ela se tornou uma garota extremamente linda...

Ela é minha irmãzinha, Airi. Acho que eu ainda não tinha te falado dela.

Eu me concentrei novamente na vida real.

É, acho que não... Ela é bem agitada, não é?

Não, ela geralmente não é tão ruim.

Então por que ela me odeia?

Acho que ela só está com ciúmes.

Mas por que ela teria ciúmes?

Uma voz diferente respondeu.

É natural que ela tenha ciúmes, afinal você é o primeiro namorado da Nana desde que a Airi nasceu.

Namorado... Namorado... Namorado...

Nós dois coramos a ponto de explodir e falamos coisas que se confundiram ao serem ditas ao mesmo tempo.

D-do q-que você está falando, Suzuyama-san?

Mãe! Não somos nada disso, não me mate de vergonha!

Ora, eu estou errada? Me perdoem!

Ela colocou o chá na mesa e eu peguei imediatamente para beber. A verdade é que eu só queria uma desculpa pra cobrir a cara e manter a boca fechada. Eu bebi metade e botei o copo na mesa.

Estava absurdamente quente.

Após alguns segundos para recuperar o folego, a mulher já estava sentada para beber conosco. Continuamos em silêncio por um tempo e eu aproveitei para olhar novamente as fotos de família. O que me lembra.

Cadê seu pai?

Papai está numa viagem de negócios. Ele vai voltar daqui a alguns dias, mas ele queria te ver também.

Entendi.

A mãe dela aproveitou pra me perguntar algo dessa vez.

Então, Makoto-chan, como vai a Shizu-chan?
Ela mudou o modo como me chamou. Provavelmente me vê agora um pouco como quando eu era menor.

Ela vai bem. Ela é muito forte.

E você está conseguindo acompanhar a escola?

Sim, graças à Nana.

Eu olhei pra ela e sorrimos um pro outro. Você é incrível...

Mas você não está tendo problemas na escola por causa disso, não é?

Não, eu...

Não! Na verdade você está ajudando Nanami, embora não saiba.

Ajudando? Como assim?

Ela quer ir pra universidade de medicina em Tóquio.

Eh...

Agora tudo faz sentido. Isso explica a disponibilidade e velocidade com que ela aprendeu a cuidar de Shizuka.

Você consegue, Nana. Vai ser ótimo se você puder fazer pelos outros o que você faz pela Onee-chan. Você é realmente uma pessoa incrível.

Ela corou e não conseguiu mais me olhar nos olhos. Eu sorri.

Ora, Nanami! É um elogio do seu namorado, você deveria agradecer!

De novo essa palavra...

Não, nós não somos...

Não somos isso! Nunca, nunquinha! Aah, mãe, pare de me matar de vergonha!

Ora, estou errada? Me perdoem!

Ela encobriu minha fala com a dela.

Você não precisava ser tão enfática...



. . .


Nós continuamos conversando por um tempo e acabou dando minha hora de ir embora. Era a mesma hora que eu deixava Nanami todos os dias aqui, então já estava acostumado a voltar nesse horário. Eu me despedi de todos menos da garotinha que acabou por não aparecer mais na minha frente naquele dia. Pensando bem ela era mesmo excêntrica, haha... Eu comecei a fazer  o caminho habitual para casa. No meio do caminho parei.

Acho que hoje vou ter que chegar alguns minutos mais tarde em casa...

Eu me virei e comecei a contornar a próxima rua que eu teria que tomar.

Durante todo o caminho pra casa, eu amaldiçoei aquele desvio.

Mas que droga...


. . .


Eu cheguei em casa sem maiores problemas. Shizuka dormiu bem cedo naquela noite, então eu aproveitei para dormir cedo também. No dia seguinte, preparei um café da manhã pra nós dois e conversei um pouco com ela antes de ir para a escola. Ela parecia ter amanhecido bem feliz. Ela parecia assim toda vez que Nanami vinha cuidar dela. Eu estou quase sentindo ciúmes. Mas acho que isso a fazia ter sonhos bons e por isso ela acordava assim. A manhã me deixou animado e eu fui para a escola de bom humor. O primeiro período era de história geral, um dos assuntos que eu gosto. Eu continuei assistindo as aulas a medida que os períodos passavam. Um pouco antes do período do almoço decidi que seria uma boa hora para sair e ir ver como a Onee-chan estava. Alguns olhares acusadores se voltaram contra mim quando eu saí da sala mas eu os ignorei. Estava ficando cada vez mais fácil fazer isso.

Corredor após corredor, eu estava quase na saída da escola. Um pouco antes disso, senti algo pequeno me acertar. Uma bolinha de papel? Quando olhei na direção, lá estava a garota ruiva com um rosto de poucos amigos. Ela descruzou os braços e se aproximou de mim.

Matando aula, garoto?

A atitude dela me pareceu convencida como sempre. Vou brincar um pouco.

Garoto? O que houve com perdedor? Ah, é mesmo...

Ela torceu os lábios e empurrou um saquinho de papel contra meu peito.

Toma aqui. Agora estamos quites.

Pelo cheiro era um sanduíche de maionese. Era o lanche que eu tinha ganhado ontem. Eu não podia comer ali e agora, então eu tinha que dar um jeito de contornar isso...

Eu não quero isso. O combinado foi um lanche completo, compre um suco pra acompanhar.

Empurrei o sanduiche pra ela de novo. O olhar que recebi foi ameaçador, mas não deixei ela notar que tinha me intimidado. Simplesmente passei por ela com as mãos nos bolsos e uma expressão confiante.

Ei! Onde você pensa que vai?

Eu parei de caminhar, olhando prum ponto fixo no chão. Por favor, não pergunte... Eu não quero que vocês se preocupem... Nós acabamos de nos conhecer. Eu não me sinto bem pra mostrar esse lado de mim ainda, então...

Por favor, não pergunte.

Isso não é da conta dos perdedores.

Eu disse e olhei pra ela de lado com um sorriso. Depois disso apressei o passo e me distanciei até ter certeza que ela não me via mais.

Antes que eu conseguisse isso, eu ouvi ela me chamando mais uma vez, mas não parei.
Por favor, não pergunte de novo...


. . .


Aah.

Eu fiz o som com a boca e Shizuka abriu ela para que eu pudesse fazer um 'aviãozinho' com a colher. Hoje eu tinha feito macarrão, um prato que me orgulhava de ser minha especialidade. Eu cozinhava ele bastante para ele ficar bem mole, já que Shizuka não conseguia comer coisas muito duras. Ela me pareceu bastante satisfeita e eu soube que meu prato estava sendo um sucesso.

Aqui.

Com a mão direita eu sustentei o copo de suco de limão e com a esquerda impedi que as gotas melassem a cama. Ela bebeu devagar e seus olhos estavam cheios de lágrimas quando eu afastei o copo. Eu ri. Suco de limão era o sabor favorito dela, justamente por essa sensação amarga e doce que ele deixa ao mesmo tempo. Eu sempre lembrava dela dizendo isso quando era menor.

 Eu não queria ter que esconder você. Você é maravilhosa, um anjo. Eu toquei na mão dela. Ela me olhou com aqueles lindos olhos azuis. Os olhos mais profundos que já vi. Ela parecia me entender perfeitamente mesmo que eu não tenha dito nada daquilo pra ela. Era como se ela pudesse ver dentro do meu coração.

Ou será que sou eu que estou vendo meu reflexo naqueles olhos?


. . .


Bom, eu tenho que ir.

Eu ajeitei ela na cama e levei as coisas para a pia. Voltei pra dar um beijinho na testa dela e fui depressa até a escola. Consegui chegar a tempo para o fim do almoço. Onde está aquela garota com meu lanche? Eu não consegui encontra-la então acabei tendo que comprar alguma sobra da lanchonete. Enquanto procurava um lugar bom para comer, encontrei com Akakyo e Kaioshi encostados numa parede. Eles acenaram pra mim e eu acenei de volta.

Onde está sua irmã?

Eu me voltei para Akakyo. Ele apenas sorriu como se estivesse lembrando de algo e Osakura foi quem falou.

Ela parecia com muita raiva por algum motivo. Ela jogou um saco de papel com força no lixo e disse 'eu não devia ter feito essa porcaria'... Depois disso ela foi embora te chamando de vários nomes. Foi uma cena bastante esquisita.

Eu olhei para uma lata de lixo sem muitos motivos. Claro que não devia ser aquela mas eu consegui imaginar a ruiva com raiva jogando o sanduíche ali. É claro! Não estávamos no horário do almoço ainda, então ela não podia ter conseguido aquilo na lanchonete... Então ela fez pra mim? Nekogami pareceu entender o que eu estava pensando e tocou meu ombro em suporte.

Não se preocupe, nem era grande coisa, ela só fez juntar as primeiras coisas que encontrou dentro de um pedaço de pão. Não esquente com isso.

Sim... Você está certo.

Eu disfarcei um sorriso mas acabei me sentindo muito mal por aquilo. Eu não gosto de ferir os sentimentos dos outros mesmo que seja por alguma besteira. Talvez seja perfeccionismo demais, mas... Eu apenas não me sinto bem.

O sinal tocou logo depois que eu falei.

Oh, está na hora. Takahashi-sensei vai nos trucidar se chegarmos atrasados de novo.

O alvo concordou com o ruivo.

Não é? A gente se vê, Makoto.

Sim!

Akakyo levantou a mão em despedida e eu fiquei olhando enquanto os dois se perdiam na multidão. Eu olhei para o sanduíche de presunto meio comido na minha mão.

Acho que perdi a fome.



. . .


O dia terminou sem grandes acontecimentos. O sinal da liberdade tocou e eu esperei a multidão que se digladiava na saída da sala se dissipar. Depois de uns minutos eu me levantei e comecei a ir embora. Embora eu tenha procurado o pessoal para me despedir eu acabei não os encontrando em lugar nenhum. Que estranho... Eu olhei pro céu. Algumas nuvens escuras estavam começando a se concentrar. Resolvi me apressar para chegar em casa. Mas, sem eu saber, um plano estava sendo arquitetado.


. . .


Ele sempre sai assim do nada?

É, as vezes... Achamos que ele matasse aula mas parece que não é bem isso...

E vocês não acham isso suspeito?

Hum, bom... Acho que ele deve ter os motivos dele.

Ei, Yuragi, você não está levando isso a sério demais?

Claro que não, Akakyo! Não podemos ficar sem saber uma coisa dessas!

Acho que você só está curiosa demais...

Droga, calem a boca! Vocês não precisam vir se não quiserem. Eu vou segui-lo.

Ele provavelmente apenas vai pra casa, do que seguir ele ia adiantar?

Não vamos saber até tentarmos não é, seu tapado de cabelo branco?

Passos.

Nós realmente não devíamos estar fazendo isso...

Shh! Silêncio, não deixe ele nos ouvir.

Viu? Ele só está entrando em casa!

Vamos dar a volta e ver o que ele está escondendo lá dentro.

Yuragi, isso já foi longe demais! Vai chover, vamos achar um lugar pra ficar.

Me largue, Akakyo-chorão! Você veio por que quis, não foi?

Não use esse apelido...

Aqui, essa janela está meio aberta, podemos olhar e...

Quem é aquela garota?

Eh... Ela é bonita... Será que ela é a irmã dele?

No que você já está pensando, Kai?

Em nada, eu juro...

Ei, garotos, não é estranho? Ela não se meche. É como se ele estivesse tendo que mexer as mãos dela pra ela...

O que é aquilo?

Parece uma cadeira de rodas... Ele está colocando ela lá?

Silêncio.

Um trovão ressoou ao longe.

Ainda assim a gota d'água que caiu na janela ecoou mais alto.


. . .


Eu olhei para a janela para ver o estado da chuva, atraído por aquela pequena gota d'água. Shizuka tem medo de trovões, então queria leva-la para a sala e ligar a tv alto para que ela não ouvisse... Foi então que eu vi os três olhares fixos em mim através do vidro. Minha boca se abriu involuntariamente e minhas pernas tremeram. Os três pareciam que começavam a compreender a situação. A chuva ficou mais forte e um trovão rugiu mais alto. Shizuka estava de costas e não podia ver o que eu via, mas eu podia ver tudo. Ela fechou os olhos com medo do trovão. As três figuras começavam a ficar encharcadas pela chuva enquanto me olhavam com apenas um sentimento: Pena.

Era tudo o que eu menos queria... Não deveria ser assim.

Droga...

 . . .


Chiharu - 05
Por favor não pergunte.

Nenhum comentário:

Postar um comentário