Chryskylodon - Prólogo


Consistência? É isso mesmo! Sejam bem-vindos a mais um capítulo de - o primeiro para falar a verdade - de Chryskylodon.

O sistema dessa história é tão doido que vocês vão ter até musica para ouvir enquanto leem.

Bom, sem mais delongas, boa leitura a todos!




Antes de iniciar a leitura, dê "play" e escute a musica tema do capítulo!



Chryskylodon

Prólogo:

“Navegar é preciso; viver não é preciso”
Fernando Pessoa


Remava com força e segurança em direção à ilha. Estava retornando depois de séculos (que pareceram milênios). O ar ventava forte vindo do sul. O mar semi-agitado respondia. Alguns corvos já circundavam a embarcação: uma ameaça para temer e se afastar.

Mas Chryskylodon mantinha-se remando, de pé em seu barco. Nada temia. Em nada hesitava. Estava indo porque devia, porque queria e pensava ser o correto. Executava sua missão com seriedade e com uma ponta de esperança. Esperança de novamente ver sorrisos nos rostos dos habitantes de Akira; enfim livres de Lyoto Kobata, o Tirano. Tal governante opressor estava se mostrando muito diferente de seu pai, Kaneda Kobata, o Dourado. O antigo Senhor de Akira era homem de risos constantes; respeitável e respeitoso, buscava o bem da população, indiferentemente de classe, escolaridade ou qualquer outra distinção. Foi um homem que sabia entreter quando possível, assim como ter pulso firme em momentos decisivos. No entanto, seu filho parecia não querer seguir o mesmo caminho...

O pé direito de Chryskylodon foi o primeiro a pisar na praia. Dali já via, no alto do Monte Chi-Bata, o Palácio de Andorra. Deixou a embarcação ali mesmo, com os remos cruzados. Pegou seu bastão. Sentiu o vento: o tempo pareceu ter esfriado. E parado, talvez. Os corvos que o circulavam crocitaram e voaram de volta para suas covas.

Partiu.

O caminho que seguia era de paralelepípedos de pedra. Em ambos os lados do caminho a floresta, com suas incertezas. Ele caminhava. Adiante, com seus olhos brancos sempre voltados para frente. Nenhum problema até agora... algo incomum para os modos de Lyoto.

De repente parou. Apoiou-se no bastão. Olhou ao redor. Farejou o ar. Pensou ter percebido algum ruído. Algum farfalhar ou rumor de coisa. Semicerrou os olhos. Esperou...

E então lhe veio: o primeiro de muitos onis que viriam a incomodar sua rota. Era cinza e corcunda, sedento, voraz. Grunhia grotescamente, babando e mexendo os braços que carregavam um kanabō de madeira. Quando o oni pensou em atacar, Chryskylodon enfiou-lhe o bastão na garganta, que acabou saindo do outro lado do corpo da criatura. Seu sangue verde escorreu e, como ácido, corroeu o que tocou. Menos o bastão de Chryskylodon.

Antes do corpo do primeiro oni ter caído no chão, Chryskylodon já havia matado mais três. E o mesmo aconteceu para cada um destes três mortos. E o mesmo para os próximos nove...

E assim sucedeu-se.

Poucos minutos após, ele estava completamente verde. Seu bastão: intacto. Seu humor o: mesmo. Sua missão: apenas no início. Olhou para cima, viu os corvos retornando para comer os dejetos. Ele apenas pensava que todos ali eram pobres escravos do Tirano. De nada adiantava tentar reverter a situação com medidas paliativas. O melhor efeito surgiria do que viria realmente a fazer.

Com serenidade seguiu.

Os orochis¹ que vieram em seguida não foram mais difíceis que os onis. Muito menos drenaram forças daquele que não cansa. Ele queria economizar suas energias para Kobata, mas o infortúnio o pregava peças certas vezes. Para si pouco importava se o momento fosse prolongado por um ou outro desafio desnecessário; o objetivo seria alcançado fatalmente. O que mudava era a apreensão de seus inimigos e a certeza de que ele chegaria. Tão como a fama dele.

Por três horas ele caminhou. Por meia ele parou para se alimentar (não por questão de necessidade, mas sim por gosto). Por mais duas ele andou até alcançar o topo do Monte Chi-Bata. Do alto via a região de Andorra completamente, com suas rochas pontiagudas ao mar, suas altas falésias a leste, o vulcão “inativo” a alguns dias de caminhada mais ao norte e o Palácio, que estava exatamente a sua frente. Alvo e grande, erguido séculos antes, pelos braços de centenas de escravos da família Hachida, família tal que vivia em guerra com os Kobata, disputando o Governo da ilha de Akira. Tal disputa secular resultou em baixas incontáveis para ambos os lados, porém os mais prejudicados sempre foram os habitantes de Akira, que se viam em meio a esta guerra inconstante e infindável. Infindável por enquanto...

Chryskylodon adentrou o palácio. O primeiro salão estava vazio. Igualmente para o segundo. E o terceiro. E o quarto. “Estranho. Muito estranho”, pensou. Voltou para o terceiro salão. Para o segundo. Todos eles pareciam o mesmo. Todos eles eram idênticos. Todos são. Foi então que começou o que ele menos esperava. O que ninguém esperaria vindo deLe. Chryskylodon correu. Abriu pOrtas atrás de portas. A frente de portas, estava correndo em direção a algUm, àquele, a lugar nenhum, em Cima de onde poderia estar? Por que seguia não sabia em qUando estaria anterior ao... Portas atrás de portas atrás de salões atrás de salões à frente. De algo que ele não percebia mas (precisava) sentir “o quê”? Como estava assim tão deliRado? Como aquela plena e súbita perda momentânea/instantânea/veloz de consciência o tinha afetado A ponto tal de não parar de estar ali assim como seria naquele instante tão átimo de agora comum possível a ele. Ele. ELE! “Quem é capaz de se controlar? Quem é capaz de se conter? Quem é capaz de controlar? Quem é capaz de apenas ser? ”. De onde vinha essa voz desconhecia-se somente observava-se que era um canto. Um canto? Seria este o motivo pelo qual a insanidade corrupta o infeccionava a seu cérebro aí? Um ai seu saiu de boca sua. Assim... “Quem é capaz de control...”. Ar. AR! Precisava de ar. “Chryskylodon precisa de ar!”. A voz gritou. O mesmo estridente som que vinha de lá. Ele se esforçava. “Nunca imaginei que poderia chegar a esse ponto”, grunhia Chrys. “Kylodon! Kylodon! CAI!”. E caiu. Ele caiu como rocha. Descontrolados seus músculos eram espasmo puro desenfreados e acatados a regra daquele que o comandava o senhor o lorde de seus movimentos. “Eu consigo!”. E veio o primeiro choque e: “Eu quero!”, e veio o segundo (choque): “Eu devo!”, o terceiro mais intenso: “Eu posso!”, o quarto quase insuportável: “EU VOU!”.

Neste exato momento, mesmo contorcendo-se no chão com a energia dos choques eletro-termo-psicológicos, Chryskylodon conseguiu alcançar seu bastão, que o tempo todo estava ao seu lado. O simples toque lhe deu forças. Inacreditável energia para suportar e reerguer-se. E deixar de sentir dor.
Atacou o inimigo com força imensurável.

O kabuto voou da cabeça e se espatifou na parede. Aquele que o usava também.

O coitado gritava de cócoras no chão, ganindo como uma galinha, uivando como um porco. Chryskylodon balançou a cabeça, afastou a insanidade e marchou em direção ao caído. Seu bastão ia repicando no piso do palácio. Cada passo, um golpe. Cada golpe, um latido do inseto. Cinco passos, seis, sete...

“Aaaai! Para, para!”.

Dez, onze, doze...

“Vai embora, vai! Sai!”.

Vinte e um, dois, três...

“Nããão..!”.

Parou próximo ao rapaz. Com seu bastão virou o rosto dele. E se surpreendeu:

-O-Otachi?!

– Hã-ã? O que foi?!

Aqueles momentos estavam sendo de extrema surpresa para Chryskylodon. Momentos que estavam sendo imprevisíveis demais, surpreendentes demais, fora de controle demais. Ele esperava encontrar Lyoto Kobata ali, frágil e destruído em seu próprio palácio, contudo combatera Otachi Kobata, o Púrpura, primo do Tirano.

– Onde está seu primo, Otachi?

– Ha! O Lyoto... Com certeza não está aqui, não é?

Chryskylodon rangeu-se. Piscou lentamente, contendo-se. Aquela música ainda estava em sua mente:
 “Quem é capaz de se controlar?”.

– Você é exatamente igual ao seu primo, rapaz.

– Eu? Ai, quem me dera. – e deu uma risadinha com seus poucos dentes restantes. – E o que você fará agora, ó Todo Poderoso e Eterno Chryskylodon? Hein? Matar-me não será solução, como você bem sabe disso. Você está assustado, não? Pouco esperava por isso! Eu consegui te pegar certinho. Infelizmente (ou felizmente, para mim) você é mais fraco do que eu pensava. Chegou até aqui para nada. Se você me poupar pelo menos...

Ele então ergueu Otachi a sua altura. Puxou o colar da criança com sua pedra púrpura. Torceu e torceu:

– Seu primo vai se arrepender de ter fugido.

E torceu e torceu e torceu. Até os olhos do pobre homem-garoto se fecharem. Seu corpo caiu. Seu espírito não.

Ele admirou a pedra. Púrpura e fosca. “Quem sabe será útil”. Guardou em seu bolso esquerdo. Olhou para a porta principal, lá longe, de onde entrara. Vintenas de criaturas corriam ao seu embate; algumas furiosas; outras desesperadas; outras indiferentes, apenas seguindo o fluxo. Chryskylodon preparou seu bastão. Respirou fundo. Expirou rápido. Foi a primeira vez que sentiu raiva...

(...em toda a sua vida)


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