Neste fim de semana fiquem com o quarto capítulo de Chiharu! Não deixem de curtir a nossa página no Facebook, e aproveite e entre no nosso grupo!
Chiharu
Capítulo 04
Meus olhos fraquejaram e protestaram enquanto eu tentava abri-los. Eu estava meio zonzo. Eu simplesmente levei os olhos de um canto a outro tentando reconhecer o lugar que eu estava, sem sucesso. Bem de leve eu podia sentir uma dor na parte traseira da minha cabeça que aumentava a medida que eu ganhava consciência. Eu virei o rosto para a direita e percebi a silhueta de um homem encostado na parede de braços cruzados, olhando a janela. Ele tem um corpo alto e forte. Ele veste o que parece ser um robe samurai totalmente negro, tão negro quanto seus cabelos. Sua silhueta não me é estranha... É a mesma que eu vi antes de...
Ai!
Com a dor, as
memórias voltaram. Minha cabeça latejou
quando eu lembrei dos últimos acontecimentos antes de perder a consciência...
Esse cara... Ele me acertou com alguma coisa! Olhando bem o meu arredor eu
estava num cômodo japonês feito totalmente de madeira, com uma porta de correr,
e estava deitado sobre um futon. Eu levantei enquanto levava a mão ao local
dolorido, e isso fez com que ele notasse meu movimento. Ele olhou na minha
direção com um olhar gélido e assustador.
Minhas expressão
também não é de muitos amigos.
— Quem é você?
A pergunta fez
com que meu sangue fervesse, fazendo minha dor aumentar. Eu tirei a mão do
local dolorido e apoiei ela no chão, devolvendo a pergunta.
— Eu é que pergunto! Por que você me acertou daquele jeito? Onde eu
estou?
— Na mesma casa que você andou espiando nas últimas noites.
Eu não entendi
muito bem o que ele quis dizer. Ele só pode ter me confundido com alguém.
— Do que você está falando!?
— Você tem passado aqui e passado tempos olhando fixamente a nossa casa.
Tempo demais.
Ele se aproximou
e fez com que eu tivesse que inclinar meu pescoço para cima para olha-lo nos
olhos.
— Eu não gosto do seu olhar.
O sentimento é
recíproco.
— O que você quer? Explique-se.
Ele tirou de trás
de si o que parecia estar escondendo atrás da perna para que eu não visse. Uma
Katana de treino, feita de madeira, estava apontada para a minha testa. Eu
levantei a mão direita e afastei o objeto do meu rosto antes de responder.
Pra falar a
verdade, eu continuei olhando ele nos olhos por mais dois segundos. Talvez por
causa do trauma, eu não tinha conseguido, ainda, raciocinar direito. Foi então
que eu liguei os fatos. Quando volto da casa de Nanami eu sempre observo a
mesma casa em que vi aquela garota... Deve ser isso! Mas que tipo de maluco iria
acertar alguém só por isso?
— ... Não é nada. Eu gostei da casa, só isso.
— Tch.
Eu pude ouvir ele
fazer um som de repúdio. O objeto de madeira alcançou minha garganta e impeliu
meu queixo para cima.
— Eu posso dizer quando está mentindo. Diga a verdade.
A adrenalina
subiu pelo meu corpo enquanto eu o encarava ferozmente. Eu queria poder
levantar e dar uma surra nesse cara. A atitude dele me irrita. Mas no meu
estado atual... Não... Provavelmente mesmo que eu estivesse no meu perfeito
estado eu acabaria levando a pior para aquele cara. Algo me dizia que ele não
era um oponente que se quer ter. Se ele vive na mesma casa que aquela garota,
ele deve ser alguma espécie de parente dela. Ele não parece muito mais velho
que eu. Talvez seu irmão ou seu primo. Em todo caso, dado o temperamento de
alguém que te acerta só por que você observa sua casa, se eu disser dela agora
não sei o que ele faria. No entanto a Katana, mais ameaçadora do que nunca
pressionou a minha resposta.
— Diga!
Eu não quis
pensar sobre o assunto. Eu apenas agarrei o objeto e o afastei do desconforto
da minha garganta para poder falar.
— Eu..!
Aquelas palavras
não terminaram de sair da minha boca. No momento que eu ia falar a porta de
deslizar se abriu e um homem de vestes japonesas brancas e negras entrou no
cômodo. Ele tinha um rosto sério e experiente. Seus cabelos começavam a
desaparecer dando lugar a duas entradas. Sua barba era fechada mas aparada,
tendo poucos milímetros de tamanho. Podiam-se notar alguns dos seus fios
começando a ficar brancos. Como o rapaz mais jovem, sua expressão era séria e
acusadora. O jovem se afastou um passo ao vê-lo entrar. Eu simplesmente fiquei
olhando.
— Então esse é o garoto?
— Sim, pai, é ele.
Pai... Então
aquele homem é o pai dele. Pela sua atitude ele parece ser o chefe daquela
família. Eu continuei calado esperando para ver como o homem lidaria com a
situação.
— Qual é o seu nome, garoto?
Eu relutei em
responder. No entanto ocultar algo agora, numa situação claramente desvantajosa
e opressora seria uma péssima escolha. Eu pensei em dar um nome falso, mas o
que aquele garoto disse sobre saber quando estou mentindo me segurou. As
palavras saíram da minha boca quase como que eu as estivesse cuspindo.
— É Makoto.
— Makoto...
Ele continuou
olhando pra mim por uns 3 segundos e então se aproximou de mim como se quisesse
confirmar algo. Nós nos olhamos nos olhos e eu pude perceber, pela minha inclinação
do pescoço, que ele era um pouco mais baixo que o filho. Eu pude notar ele
arregalando os olhos um pouco antes de se virar bruscamente e rumar para fora
do cômodo.
— Tire esse garoto daqui. Não quero ele dentro da minha casa nunca mais.
É uma ordem.
Ele disse a
última frase lançando mais um olhar gélido para dentro do cômodo e então sumiu
de vista. O rapaz olhou para mim e se virou para sair do cômodo, parando de
costas, já do lado de fora.
— Você o ouviu. Levante-se.
A atitude dele
novamente se provou irritante. Mas eu não dou a mínima, só quero dar o fora
daqui.
. . .
Nós seguimos sem
dizer nada um para o outro. Eu pude notar que a casa era uma verdadeira mansão
japonesa, só pude imaginar que aquela família devia ser bem rica. Ainda estava
de noite, isso quer dizer que eu não fiquei desacordado por muito tempo. Eu
podia ouvir o som de um piano sendo tocado com muita habilidade, que ficava
mais forte a medida que nos aproximávamos de certo cômodo. Eu pensei em parar
para ouvir mas decidi que seria melhor manter o passo. O som foi diminuindo com
o tempo. Nós continuamos andando até chegarmos ao jardim. Lá eu podia ver uma
pequena trilha de pedras que levaria até o portão principal. Algo chamou minha
atenção então eu olhei para cima.
Então eu vi.
Era a silhueta de
uma garota, iluminada timidamente pela luz da lua. Ela carregava nas costas uma
capa de violão, e estava apoiada quase como um gato em cima do muro alto. Com
um salto ela foi ao chão, caindo tão silenciosamente que eu me surpreendi. Eu,
que havia parado de caminhar, voltei a andar ao passo que ela também começou a
caminhar em minha direção. O rapaz olhou a garota com um olhar de reprovação.
— Yami. Seus maus hábitos estão começando a ficar inoportunos.
Ela continuou
andando e olhando para frente, segurando a capa do violão pela alça com a mão
direita, como se não ligasse.
— Me deixe em paz.
Ela passou por
ele e então continuou caminhando até passar por mim. Eu podia ver suas roupas
claramente agora. Ela estava usando uma blusa preta que deixava seus ombros a
mostra, e um short jeans escuro. A parte esquerda da blusa estava dentro do
short de forma a deixar a blusa com a ilusão de estar inclinada. Ela passou ao
meu lado. Nesse momento, o olhar dela caiu sobre mim. Eu me senti despido. Os olhos
vermelhos dela me olharam tão profundamente que eu senti que ela podia ver
dentro da minha alma. Normalmente alguém estaria olhando com um olhar
indagativo como quem perguntasse: " Quem é você, o que você está fazendo
na minha casa? ". No entanto o que havia ali era um olhar examinador,
como se ela estivesse investigando tudo a meu respeito naquele único segundo
que mais pareceu uma eternidade.
Sem demonstrar
nada, ela continuou caminhando enquanto eu fiquei vendo a figura dela diminuir.
O rapaz abriu a
porta e olhou para mim, esperando que eu saísse. Eu passei por ele sem olha-lo
com uma expressão sólida. Eu me virei para a casa depois de sair. Ele
simplesmente me olhou pela abertura enquanto fechava o portão.
— Não incomode mais.
A porta se fechou
com o aviso. Eu ainda fiquei alguns instantes observando o portão fechado e
revivendo a cena que tinha acabado de ocorrer. Eu olhei para o lado e notei uma
pequena placa indicativa presa na parede. Estava escrito 'Kurou'.
Kurou Yami...
Por algum motivo
não consegui tirar esse nome da cabeça enquanto tomava o caminho de volta para
casa.
. . .
Eu acordei com o
sinal do fim das classes do dia. Eu levantei a cabeça só para descobrir que um
filete de baba se formava e molhava uma página aberta do meu livro de inglês,
embora, ao olhar para o quadro, eu houvesse descoberto que estávamos na aula de
matemática.
Então eu dormi
tanto assim...
Ontem à noite eu
cheguei bem tarde em casa, por isso Shizuka acabou ficando bem preocupada. Ela
não conseguiu dormir até quase de madrugada e eu só consegui dormir depois
dela. Agora todo o cansaço estava sobre minhas costas e eu havia dormido a
maior parte das últimas aulas. Eu olhei ao redor para ter certeza que ninguém
havia visto, embora soubesse que isso era impossível. Eu suspirei e levantei da
carteira, guardando minhas coisas e indo em direção à saída. Eu atravessei os
corredores até avistar a figura de dois garotos ao longe. Eu acenei.
— Yo.
Os dois
responderam com um aceno mas ainda não estávamos numa distância ideal para
conversar. Estávamos de frente para uma das salas do segundo ano enquanto
alguns alunos ainda saiam de lá e ficavam entre a gente. Eu senti um impacto
violento vindo da minha direita que foi seguido por uma voz feminina
autoritária e nada feliz.
— Ei, saia da frente!
O impacto não foi
o bastante pra me derrubar, mas me fez perder o equilíbrio e dobrar meu corpo
de um jeito esquisito para não cair. Espere aí... Eu conheço essa voz... Eu
olhei na direção da qual a voz tinha vindo, e havia uma garota de cabelos
ruivos presos por um laço preto com as mãos na cintura. Indo contra suas
próprias palavras, agora ela estava na frente da sala obstruindo a passagem.
Ela pareceu me reconhecer ao mesmo tempo que eu fiz o mesmo. Eu
involuntariamente gritei em reflexo.
— Aaaaah!
Ela mudou sua
expressão para uma entediada.
— Ah, perdedor, é só você.
As palavras me
atingiram como um ferrão. Ela deu um passo pro lado para desobstruir a passagem
e logo Nekogami e Osakura se juntaram a nós.
— Espere aí! Desde quando você estuda nessa escola!?
— Desde o primeiro ano.
Ela respondeu com
naturalidade. Eu olhei em seu uniforme o pequeno escudo que identificava de que
ano eram os alunos, e o dela correspondia ao segundo. Ela não é do meu ano e eu
estou aqui há pouco tempo, mas... Acho que eu já deveria ter conhecido a irmã
do Nekogami, ou mesmo visto uma garota de atitude odiável gritando por aí pelos
corredores se ela estivesse aqui antes.
— A verdade é que ela esteve suspensa por uns tempos, então...
As palavras de
Akakyo esclareceram minhas dúvidas, mas foram logo cortadas por um olhar afiado
da irmã. Só posso imaginar que ela se meteu em alguma briga ou discussão com
algum professor e foi suspensa por isso.
— Bom, eu estive fora da escola algum tempo, mas agora estou de volta,
isso é o que importa.
Ela falou isso
num tom convencido. Ninguém mais teve a chance de dizer nada antes de chegar
até nós uma voz fina cortando o corredor.
— Maaakootoo-saaaan!
Eu me virei pra
trás cerca de 60 graus antes de sentir a pequena garota que corria em minha
direção pular em cima de mim e me derrubar no chão. Vários alunos pararam para
ver aquela cena. Os alunos do primeiro ano que viram olharam entediados e
disseram algo que eu pude ler em seus lábios como sendo provavelmente: 'Ah, é
apenas ela'. Isso me preocupa... Quer dizer que para essa garota esse tipo de
coisa é cotidiano?
— Yuujimura...
Minhas costas
estavam doendo da queda e o peso dela em cima de mim apenas deixava tudo mais
desconfortável.
— Ei,
ei, você vai vir pro clube hoje, não vai?
— Não, hoje eu não posso...
A garota fez
beicinho. Nekogami fêmea fez uma pergunta direcionada a mim.
— É sua namorada?
Eu olhei para a
ruiva e depois para a pequena morena fazendo beicinho enquanto olhava pra mim.
Uma cena se formou na minha mente.
. . .
Estávamos numa
praça, sentados numa mesa com sorvete na mão. O dela era de morango e o meu de
chocolate.
— Ah, Makoto-kun, você se melou aqui!
— Waah! Aonde?
— Aqui!
Ela aproximou a
mão da minha bochecha esquerda e tirou um pouco de sorvete de chocolate e levou
até a boca dela.
— Pronto!
Ela sorriu e eu
não pude evitar sorrir também.
— Você é tão atenciosa, Hanabi-chan.
— Já sei!
Ela teve uma de
suas ideias geniais, e começou a falar por um fantoche que pareceu sair do
nada.
— Hanabi-sama, vamos fazer a dança do vaga-lume!
— Certo, Crocodile-kun!
Crocodile kun? Eu
tinha quase certeza que aquele era o Aligator-kun.
Ela se levantou e
estava vestida com um vestido cheio de miçangas. Eu estava vestindo um terno
branco e tinha meu próprio par de fantoches quando levantei também. Alguém no
fundo da cena bateu palmas e um globo de luz desceu de algum lugar que eu não
estou certo de onde. Dois disparadores de confetes foram acionados. Aquele era
o sinal!
Nós começamos a
dançar e repetir juntos.
— Vaga-lumes! Vaga-lumes!
A coreografia
continuou por alguns segundos. Nós estávamos com sorrisos exageradamente
grandes enquanto dançávamos. Era hora do salto do grand finale!
— Vaga-lumes... Banzai!
E depois, apenas
ficamos rindo.
. . .
Eu nem posso
imaginar como minha cara ficou depois da cena absurda que brotou na minha mente
em uma questão de segundos. Eu olhei novamente para o rosto fazendo beicinho em
cima de mim e respondi a pergunta de Yuragi com veemência enquanto balançava a
cabeça prum lado e pro outro.
— Não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não,
não!
Os múltiplos não
eram para negar a pergunta. Balançar a cabeça era para tentar esquecer da cena
horrenda que se passou na minha cabeça.
Infelizmente, eu
falhei.
A ruiva fez um
gesto entediado, que se seguiu por um convencido, e trocou seu olhar para um
desafiador.
— E então, vai querer outra surra hoje, perdedor?
Eu empurrei o
peso em cima de mim, que ficou com a mesma expressão pidona mesmo estando agora
de joelhos no chão e me levantei. Tenho certeza que o comentário dela fez uma
veia saltar na minha testa mas eu resolvi me acalmar e responder cordialmente.
— Não, como eu disse, hoje eu vou estar ocupado.
— Fazendo o que?
Ela perguntou,
sem o mínimo de respeito com a privacidade de alguém que ela mal conhece. No
entanto, Akakyo e Kaioshi olharam pra mim também curiosos. Eu apenas desviei o
olhar e me embolei.
— Bom, eu...
Kai e Kyo olharam
um para o outro. O alvo foi quem se pronunciou.
— Você está sempre ocupado, Makoto... E você também fica sempre saindo
das aulas mas não parece o tipo de pessoa que fica matando aula por aí... O que
diabos você faz com o seu tempo?
A pergunta dele
foi direto ao ponto. A verdade é que... Eu não quero ter que responder. Se eu
disser eu vou ter que contar a eles sobre Shizuka... Não que eu tenha vergonha
dela, eu a amo demais pra isso... É só que... Talvez eu não me sinta íntimo e
confortável o suficiente pra falar isso com eles ainda... Ou talvez eu não
queira causar problemas desnecessários pra eles... Ou simplesmente...
Talvez eu não
queira que eles sintam pena.
Eles começaram a
ficar inquietos com minha demora de responder. Eu também comecei a ficar
irritado com a situação.
— Não é da conta de vocês. Eu vou pra casa.
Eu notei a
surpresa no olhar dos dois rapazes ao me ouvir dizer aquelas palavras. A expressão
de Yuragi ficou séria e condenadora. Hanabi havia perdido sua expressão pidona
para uma curiosa quando a pergunta foi feita. Ela fez uma cara triste... Na
verdade, decepcionada quando ouviu minhas palavras. Eu não podia mais aguentar
todos aqueles olhares, então eu apenas abri caminho entre eles e fui embora.
. . .
A medida em que
eu caminhava, a culpa ia me consumindo. Eu não deveria ter descontado tudo
neles. Eu caminhei para fora da escola cabisbaixo, pensando numa forma de me
desculpar. Quando eu finalmente levantei a cabeça eu avistei uma garota de cabelos
negros e olhos vermelhos caminhar à minha frente e um pouco a minha direita.
Ela carregava nas costas uma capa que presumi ser de um violino. Não há
dúvidas... Kurou Yami... Ela é a garota de ontem... A garota com quem eu sempre
quis encontrar desde o dia em que a vi cantando, naquele dia em que tudo
começou, quando eu reencontrei Nana e conheci Nekogami e Osakura... Eu me
lembrei um pouco da cena naquela noite e da canção que ela cantou... Eu ainda
queria muito saber o refrão daquela música. Acordando dos meus pensamentos e
percebendo que ela estava se distanciando, eu me apressei um pouco e arrisquei
chamar a garota.
— Kurou-san!
Ela não respondeu.
Nem mesmo se virou. Eu tentei chama-la mais uma vez, agora de mais perto.
— Kurou-san..!
Ela continuou caminhando
sozinha em direção ao portão, embora eu tenha certeza que dessa distância ela
possa me ouvir. Eu tentei mudar a forma como eu chamo ela.
— Yami-san...
Ela parou de
caminhar um pouco. Só depois de um ou dois segundos ela virou na minha direção
e olhou nos meus olhos. Isso me fez parar também e apenas ficar ali, meio
boquiaberto, enquanto nos olhávamos.
— E então?
— ... Eh?
Eu balbuciei algo
ao acordar do transe.
— O que você quer?
— Ah, eu...
Na verdade,
pensando bem, eu não tinha um motivo em especial para tê-la chamado... Eu
simplesmente senti que tinha que fazer isso...
Sem conseguir pensar em algo apropriado para dizer, eu decidi que seria
melhor me apresentar.
— Meu nome é Makoto.
Ela continuou
calada, esperando eu continuar. Eu pensei que ela diria algo, mas... Bom, faz
sentido... Já que eu já sabia o nome dela não fazia sentido ela precisar se
apresentar também. Eu mal posso acreditar no quanto eu fiquei nervoso. Eu
desviei o olhar e cocei um pouco a testa para disfarçar que estava, na verdade,
limpando uma gota de suor.
— Você canta muito bem...
— Obrigada.
Ela respondeu
depressa e então o silêncio caiu de novo sobre nós. Continuamos ali, nos
olhando, sem dizer nada. Eu tenho que pensar em alguma coisa... Vamos, homem,
pense..!
— Sabe, eu queria muito saber o no...
— Por que você está fazendo isso?
— Eh... O quê?
Ela me pegou de
surpresa.
— Você não deveria falar comigo. Você viu o que aconteceu da última vez.
Ela se refere ao
evento de ontem à noite... Eu cocei a parte de trás da cabeça e ri para tentar
descontrair o clima.
— Ahaha! Foi mesmo esquisito não é? Que tipo de pessoa bate na cabeça de
um estranho por aí? Aquele cara é o que seu?
O olhar dela
dizia: 'você ignorou tudo o que eu disse...'
— Ele é meu irmão.
— A-ah, então ele é seu irmão, haha...
Eu desviei o
olhar de novo. Aquela conversa, se é que eu posso chamar assim, estava ficando
extremamente desconfortável.
— ... Se você tem algo a dizer, diga logo.
— Não, eu... Não tenho nada em particular.
— Então com licença.
Ela se virou com
um gesto educado e caminhou em direção ao portão. Eu simplesmente fiquei
olhando até que ela desaparecesse da minha vista, remoendo e me culpando por
aquilo ter ido tão mal. Eu suspirei e então tomei meu próprio rumo em direção à
minha casa.
. . .
Eu resolvi
caminhar um pouco para espairecer. Dobrei em várias ruas que não conhecia muito
bem, mas prestando bastante atenção para não me perder. Eu parei no meio do
caminho para comprar um sorvete e também para ouvir um pouco uma banda de rua
que tocava por ali. Eu não conseguia parar de pensar no que eu tinha feito. Eu
realmente não devia ter tratado eles daquela forma... E ainda, a cereja no topo
do bolo, minha performance desprezível na minha tentativa de conversar com a
Yami e...
— Aaaaaaah!
Eu baguncei
freneticamente meu cabelo na tentativa de esquecer aquilo. Então, suspirei. Não
havia nada a ser feito no momento... Eu olhei ao redor. Essa rua me parece
familiar. Eu parei para olhar a bela casa adiante e percebi onde eu estava.
Aquele lugar... Então eu ouvi uma série de baques surdos e me lembrei. Mais
adiante era o lugar daquela obra. Eu parei de caminhar. Talvez eu devesse tomar
outro rumo...
Minhas pernas
protestaram. Eu já havia caminhado bastante e não tinha a intenção de tomar uma
rota mais longa para chegar em casa. Além disso, quais as chances de algo
problemático como na última vez acontecer? Eu me movi para frente e caminhei
com cautela enquanto passava na frente do local.
Eu ouvi o som de
algo cortando o ar rapidamente, mas eu estava preparado. Com um olhar
confiante, eu imaginei o trajeto da picareta no ar e me virei para esquivar
dela. Mas o que vinha era algo muito pior que me deixou quase sem reação. Eu vi
a figura de um homem em cima de uma viga de aço, que vinha desgovernada na
minha direção. Ela estava pendurada em algo que deveria ser um guindaste, e o
homem estava em pé sobre ela se apoiando na corda, como se estivesse surfando.
Sua outra mão segurava seu capacete para ter certeza de que não iria voar. Eu
estava boquiaberto, mas a voz grave e a intensidade do grito do homem me
fizeram me mover.
— MADEEEEEEIRA!
Meus instintos me
guiaram e eu consegui pular pra esquerda antes da viga passar exatamente por
onde eu estava. O grito o homem continuou até que a ponta da viga atingiu e
atravessou um muro. A inércia fez o homem voar e bater com todo seu corpo na
parece, ficando ali, esparramado, por algum tempo.
O tempo foi o
bastante para que eu saísse do meu estado
de choque. O homem se apoiou no chão enquanto passava a mão no nariz.
— Acho que ter dito aço seria mais apropriado...
— É REALMENTE com isso que você está preocupado!?
— AH! Você é aquele garoto esquentadinho!
Ele disse aquilo
com um largo sorriso no rosto. Sua despreocupação me fez corar de raiva. Eu
levantei e encarei ele. Era o mesmo pedreiro da última vez.
— Você podia ter me matado! E se aquilo tivesse me atingido!?
Ele se aproximou
de mim e me deu 'tapinhas' nas costas, que quase me fizeram vomitar meu próprio
coração.
— Ah, vamos, você tem bons reflexos garoto, algo desse tipo nunca iria te
atingir!
Eu endireitei a
coluna e olhei agressivamente para ele. Ele envolveu meu pescoço com seu braço
enorme e cabeludo, quase me matando sufocado.
— Você parece abalado rapaz! Venha, vamos tomar algo!
Eu apenas pude
grunhir em resposta. Eu tentei usar os dois braços para me livrar da pegada que
me arrastava na direção de uma máquina de bebidas. Sem sucesso.
Nós sentamos no
banco que havia ali do lado. Estávamos afastado o bastante para não ouvir a
conversa dos outros operários mas ainda podíamos ouvir o som do baque surdo de
vez em quando. Ele me pagou um café quente, mas preferiu tomar um chá gelado
para se refrescar. Acho que mesmo que eu tentasse correr agora ele poderia me
segurar com apenas um braço e então me dar outro abraço daqueles. Além disso,
não posso mentir e dizer que a ideia de beber algo de graça não me agradou um
pouco. Eu dei um gole no café e fiquei calado. Não estou particularmente
interessado em iniciar uma conversa com ele. Ao invés disso usei o tempo para
refletir sobre meus próprios problemas. Eu senti a ponta de um cotovelo me
atingir de leve no braço esquerdo e olhei para a figura corpulenta sentada ao
meu lado.
— O que foi, jovem? Você parece preocupado com algo.
— Não é nada.
Eu disse isso
enquanto fitava o líquido negro se movendo pelo pequeno buraco na lata. Ele me
cutucou um pouco mais forte e fez um pouco do café espirrar e cair no chão.
— Vamos, garoto. Essa sua cara não engana ninguém.
Eu me sinto meio
mal em ter que me abrir assim com um estranho. Mas eu também penso que se eu
não falar com alguém o peso nas minhas costas pode acabar ficando grande
demais. Além disso, havia algo sobre esse cara que me fazia sentir algo que eu
não sinto a muito tempo... É uma sensação estranha de confiança, mesmo que eu
nunca tenha falado de verdade com ele, e que ele seja um maníaco desajeitado e
quase assassino... Eu suspirei e sorri. Eu realmente devo ser um idiota.
— Eu fiz algo
estúpido e acabei brigando com meus amigos.
Ele deu dois
grandes goles que quase esgotaram o conteúdo do chá e então olhou para o céu do
fim da tarde.
— Algo estúpido, não é...
— ...
— ... E então? O que você vai fazer sobre isso?
Eu dei um gole na
minha própria bebida e olhei para cima também. A lua estava ali, mesmo que o
sol ainda não tivesse se posto completamente.
— Acho que eu vou pedir desculpas...
— Acha?
Ele olhou pra
mim. Eu respondi com certeza. Bom, mais ou menos.
— Eu vou pedir
desculpas... Mas... Eu não sei ao certo como eu vou fazer isso. Acho que não
vou conseguir olhar direito na cara deles.
Ele grunhiu como
se estivesse elaborando as palavras na sua mente. Eu olhei para seu rosto.
— Escute, garoto. Eles são seus amigos não é? Então não se preocupe, se
eles realmente gostarem de você eles vão te perdoar.
— É que não somos amigos a tanto tempo assim...
— E o que tem isso? Amizade não é uma questão de tempo, tem a ver com...
— Com..?
Ele cruzou os
braços, pensativo.
— É isso! Tem a ver com fogo!
— ... Hã?
Mas do que diabos
ele está falando?
Ele se levantou
empolgado. Eu podia jurar ver faíscas saltando dos seus olhos enquanto sua
expressão determinada fitava o céu.
— É como uma intensa fogueira! Não importa quanto tempo ela está pegando
fogo, importa a quantidade de lenha que você continua colocando a cada
instante, para mantê-la viva!
Eu olhei pra ele,
não muito convencido. Ele se acalmou e se sentou, olhando agora para o chão. De
alguma forma seu rosto se tornou um rosto muito sábio de uma hora pra outra. Eu
me surpreendi.
— Escute, jovem. Você está na idade em que você pode cometer erros. Você
deve cometer erros! Nós aprendemos com esses erros e idiotices, e as pessoas
que temos para fazer essas bobagens junto conosco são nossos amigos! Por isso
não tenha medo de pedir desculpas. Errar e fazer coisas estúpidas é uma
obrigação sua! Você tem que aproveitar essa idade para fazer isso o quanto for
possível, e então você tem que se arrepender... Assim você não vai fazer as
mesmas coisas quando for mais velho. Quando você envelhece, você não pode mais
errar.
Ele disse a
última sentença com um olhar sofrido. Eu percebi uma coisa. Quando você vê uma
pessoa pela primeira vez você só consegue ver a casca dela. Olhando para esse
homem eu podia ver um operário desajeitado e bruto sem nenhuma preocupação. Mas
agora eu posso ver um lado adulto de alguém que viveu e experimentou mais do
que eu. Se eu não tivesse conversado com ele dessa forma provavelmente teria
achado ele igual a todos os outros operários daquela obra, vestindo o mesmo
uniforme sujo, fazendo as mesmas coisas... Mas... Pessoas são diferentes, mesmo
que pareçam iguais. Então dizer que você que pessoas devem parecer diferentes
só vale para essa casca... Se você quer que as pessoas pareçam diferentes umas
das outras, o melhor a fazer pode ser
conhece-las... Eu fiquei meio boquiaberto por um tempo. Foi impressionante a
quantidade de coisas que consegui absorver apenas naquele momento. A sensação
quente e confortante que eu senti há pouco correu pelo meu corpo novamente. Eu
sorri enquanto olhava para o chão.
Eu notei o olhar
do homem caindo sobre mim. Ele provavelmente sentiu que o clima estava ficando
emotivo demais e me deu um tapa nas costas que fez meu café, já não tão quente,
espirrar de novo. Ele se levantou com uma gargalhada e as mãos na cintura.
— Hahaha! A folga acabou, garoto. Agora você já sabe o que fazer. Vá
pega-los!
Eu não achei que
a frase final fosse realmente necessária, mas eu concordei com a cabeça. Eu me
virei e comecei a caminhar na direção de casa. Eu parei logo depois de dois ou
três passos e olhei por cima do ombro.
— Hum... Eu...
Eu coçei a
bochecha sem jeito.
— Obrigado.
Ele simplesmente
abriu os dentes num largo sorriso.
. . .
Eu cheguei em
casa e levei Shizuka para tomar banho, como de costume. Eu contei a ela sobre
meu dia. Ela ouviu a tudo atentamente, sempre mudando sua expressão de acordo
com o que eu falava. Eu não sei se é apenas audacioso da minha parte, mas eu
sinto como se pudesse saber tudo que ela diz mesmo que ela não possa falar. Eu
penteei seus cabelos e vesti uma blusa e um short folgado nela. Eu nunca soube
muito bem que tipo de roupas comprar para uma garota então acho que nunca havia
vestido ela muito bem. Eu me lembrei de Nanami me dando bronca enquanto mexia
nas gavetas. "Que tipo de roupas são essas? Aaah, que horrível!". Ela
trouxe várias roupas de presente pra Shizuka. O corpo das duas é meio parecido
então as roupas até que caíram muito bem. Olhando agora ela realmente parece
mais feminina do que costumava ser quando apenas eu cuidava dela. Acho que moda
realmente não é o meu forte.
Eu fiz o jantar e
comi junto com ela, depois assistimos um pouco de tv. Ela não demorou muito
para dormir naquela noite, e meu sono veio logo também. Eu fechei a porta do
quarto dela com cuidado e fui pro meu próprio quarto. Eu me cobri com o fino
lençol azul da cama e fechei os olhos.
. . .
Aquela
voz está desesperadamente tentando me tirar daqui. De alguma forma, posso
senti-lo. A neve está caindo cada vez mais. Minhas pernas estão geladas. Aquela
pessoa deve estar com muito mais frio do que eu. Afinal, ela está lá fora, e eu
estou aqui dentro. Mas talvez...
Só talvez...
Lá
fora seja primavera.
— Me salve...
— Onii-chan!
. . .
Eu acordei com
suor escorrendo por todo o meu rosto. Aquele sonho havia sido muito real. Uma
garota de cabelos brancos, totalmente acorrentada num lugar escuro, gritava por
ajuda. Ela estava apavorada. Eu sentei. Ainda estava muito afobado. Eu olhei na
direção da porta, por onde uma fresta de luz passava. Sem conseguir me acalmar,
tudo que eu pude fazer foi externar minha única dúvida.
— O que... foi isso?
. . .
Chiharu - 04
Me salve.
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