Shizuka se abaixou pra colher as
duas flores brancas que brotavam do chão. O verde da enorme planície ao nosso
redor enchia meus olhos, mas perto daquela cena era apenas como a moldura para
um belo quadro. Ela levou as flores delicadamente para perto do seu fino rosto
e as cheirou.
— ... oto.
Ela ainda estava
agachada quando uma brisa leve passou por nós. Seus cabelos voaram com o vento.
A sensação da brisa batendo no meu rosto é boa. Muito boa.
— ... koto.
Ela ajeitou os fios brancos atrás de sua orelha direita e olhou na minha direção. Seu sorriso e seus olhos brilharam com a luz do sol refletindo neles. Não pude evitar sorrir também.
Ela ajeitou os fios brancos atrás de sua orelha direita e olhou na minha direção. Seu sorriso e seus olhos brilharam com a luz do sol refletindo neles. Não pude evitar sorrir também.
— Makoto!
— Aah!
De repente eu estava num lugar completamente diferente. Olhando bem, isto é...
A escola?
— Você dormiu esse período todo de novo.
— Droga! Será que o professor notou?
Não como se isso pudesse deixar de acontecer...
— Como eu vou saber? Eu não sou da sua classe.
Osakura se recostou sobre a carteira vazia na minha frente e coçou a orelha esquerda desleixadamente com seu mindinho. O sono ainda deve estar me afetando para perguntar algo desse tipo para alguém que nem é da minha classe. Eu olhei para o relógio na parede e percebi o quanto tinha passado do horário. Eu teria que correr para atender Shizuka em casa e depois voltar pro colégio. Acho que vou ficar sem almoçar hoje de novo...
Que fome...
. . .
Eu fui pra casa. Shizuka
estava dormindo quando eu cheguei, então eu a acordei com um leve toque no seu
rosto. Levei ela até o banheiro e fiz com que ela bebesse um pouco d'água.
Cozinhei algo simples dessa vez, e levei um tempo pra fazer com que ela comesse
tudo. Eu tentei disfarçar enquanto minha barriga roncava, mas não sei se tive
muito sucesso. Escovei os dentes dela com calma e olhei pra ver se não tinha
sobrado sujeira nenhuma. Liguei a televisão, estava passando um comercial sobre
uma loja de sapatos bem popular. Não acho que tenhamos uma dessas aqui na
cidade. Além disso o jingle do comercial é bem irritante então seria chato se
eu tivesse que passar por uma dessas e isso tocasse o tempo todo. Tenho pena dos
funcionários de lá.
Depois disso voltei para a escola pra terminar o período de aulas. Como eu não tinha a intenção de entrar no meio da aula eu resolvi ficar do lado de fora e comer macarrão instantâneo de uma máquina de vendas. Sentei num banco do lado de fora da escola enquanto olhava a paisagem.
As últimas duas
semanas foram meio esquisitas, desde o dia que conheci aqueles dois. Pela
primeira vez desde que vim para esta escola eu sinto que fiz amigos. Nanami tem
ido lá em casa de vez em quando e me dado broncas o tempo todo por eu nunca
sair. Acho que eu me acostumei a ficar em casa, não há muito o que eu possa
fazer.
E também...
Desde aquele dia não consegui mais encontrar aquela garota de cabelos
negros.
Me achei fora do
mundo na minha cabeça quando senti um toque leve no meu ombro. Por um momento
gelei. Quem será? Talvez um professor ou um membro do conselho estudantil me
flagrando de bobeira do lado de fora? Eu virei o rosto lentamente enquanto
deixava o macarrão pendurado na minha boca balançando.
— Yo.
Eu puxei o
macarrão pra boca e então o comi, tomando uma expressão aliviada.
É Nekogami.
— Matando aula?
— Acho que sim...
Ele passou por
mim e se sentou do outro lado do banco. Eu olhei enquanto ele abria uma lata de
refrigerante e dava um ou dois goles lentamente.
— Onde está Osakura?
— Ele foi no banheiro, já deve estar chegando.
Por algum motivo,
alguma coisa me chamou a atenção e eu olhei na direção do andar superior da
escola. Eu vi a silhueta de Osakura. Ele parecia estar gritando com alguém. Eu
não podia ver outra pessoa, mas ele estava olhando pra baixo. Estava falando
com alguém baixinho? Akakyo me olhou curioso e então olhou na mesma direção que
eu. Naquele momento, algo se levantou acima da altura da janela, ficando à
vista.
Um... Fantoche!?
Nekogami e eu nos
olhamos, indignados.
. . .
Nós subimos
depressa e atravessamos os corredores até chegarmos no lugar onde Osakura
estava. Antes de dobrarmos o último corredor sabíamos que ele estava ali pela
voz exaltada dele.
— Por que você está insistindo nisso? Eu já
disse que não!!
Colocamos apenas
nossa cabeça pra fora do corredor para observar a cena. Osakura estava
discutindo com uma garota baixinha que não se parecia nada com uma garota
colegial, e só poderíamos dizer que era uma por que ela estava vestindo o
uniforme da nossa escola. Pela cor do seu escudo do uniforme ela era uma aluna
do primeiro ano.
Ela tinha cabelos
negros que atingiam suas costas, e usava duas marias-chiquinhas pequenas dos dois
lados de sua cabeça. Talvez fosse isso que a fizesse parecer tanto com uma
criança. Dessa vez foi a vez dela de se pronunciar.
— Mas por que? Eu preciso de você, Onii-chan!
Onii-chan?
— Eu não sou seu Onii-chan, droga!
Ele olhou na
nossa direção e percebeu nossa presença ali. Nekogami notou isso e saiu do
nosso esconderijo. Ele olhou fixamente na direção dos fantoches da garota.
Olhando bem, agora eu podia ver que eram um jacaré na mão direita e uma meia
com botões nos olhos na mão esquerda.
— Ei, vocês dois, me ajudem aqui!
— O que está acontecendo?
Nekogami
perguntou e com um tempo de reação impressionante a garota tomou a frente de
Kaioshi.
— É o clube de dança com fantoches!
— Hã?
Tem algo muito
errado nisso...
— Vocês dois são amigos do Onii-chan? Vocês
dois vão entrar né? É muuuuito divertido!
— Ei...
Eu desviei meu
olhar da garota para Kaioshi, que estava com a mão sobre o rosto.
— Ela é mesmo sua irmã?
— Não! Eu não conhecia essa garota até 5
minutos atrás!
— Mas... Eu sempre quis ter um irmão tão forte
e bonito como você!
Silêncio...
— Oh, se esse é o caso, você devia ter dito antes,
minha adorável irmãzinha.
Ele disse
enquanto fazia um "legal" com a mão. Eu e Nekogami olhamos pra
Osakura enojados.
Que incrível e
súbita mudança de temperamento.
A garota se virou
de costas e cochichou pra si mesma, como se achasse que não podia ser ouvida.
— Ele caiu, Aligator-kun!
Ela tinha falado
com o fantoche em sua mão. Eu sorri e cocei o rosto enquanto Osakura olhava pra
ela se segurando pra não fazer algo estúpido.
Eu tenho quase
certeza que a garota está com um sorriso maléfico no rosto.
Antes que algo
realmente produtivo tivesse a oportunidade de sair dali, o sinal do fim do
período tocou.
— Acho melhor irmos para a classe.
Os dois garotos
concordaram. A garota permaneceu calada com uma cara emburrada, provavelmente
por causa do sinal. Nós três saímos sem nos despedir.
. . .
Quando a aula
acabou nós fomos em direção ao portão da escola e nos despedimos lá. Caminhamos
juntos até certo ponto e então nos separamos. Eu segui em direção à minha casa.
Alguns dias atrás eu tinha notado que poderia pegar um caminho mais curto se
fosse por outra rua, então resolvi testar isso hoje.
Oh! Eu não sabia
que tinham lojas de mangás e de música por aqui. Uma loja de conveniência por
aqui também parece boa, se eu estiver com fome... Eu caminhei mais um pouco e
passei por uma casa muito bonita. Ela era trabalhada numa madeira escura e
tinha um jardim bem decorado, com flores e uma fonte. Eu não podia ver o
interior da casa por causa de cortinas rosas de seda que cobriam as janelas.
— Espero poder morar num lugar assim algum
dia...
Eu sorri enquanto
observava a casa e algo chamou minha atenção. Um barulho constante. Eu
continuei caminhando pra frente até que cheguei na frente do que se revelou ser
um canteiro de obras. O que será que estão construindo aqui?
Enquanto eu me
perguntava sobre o que aquilo se tratava, eu pude ouvir o grito alto, porém
distante de um homem.
— CUIDADO!
Eu não sei que
tipo de reflexo eu tive, mas eu notei uma sombra crescendo logo abaixo de mim.
Num movimento rápido, dei um passo pro lado à medida que um objeto quase me
atingiu. Eu me desequilibrei e caí pra trás. Eu abri os olhos lentamente para
examinar o que quase tinha tirado minha vida. Aquilo é...
Uma droga de uma
picareta!?
Um homem forte e
alto o bastante pra tapar o sol, com pele dourada, com roupa de operário aberta
numa gola V cheio de cabelos no peito e barba negra se aproximou de mim. Ele
colocou as mãos na cintura ao ver que eu estava vivo e riu alto.
— HAHAHAHAHA! Você tem bons reflexos, garoto!
— VOCÊ TÁ FICANDO MALUCO!?
Eu me levantei
exaltado.
— Aquela picareta podia ter me matado!
Ele se abaixou e
pegou a picareta, que, surpreendentemente, ainda estava inteira e a apoiou no
ombro.
— Vamos, vamos, ela simplesmente escorregou.
— Escorregou!?
Eu sinceramente
não sei que tipo de monstro seria capaz de arremessar aquilo tão longe mesmo
que fosse de propósito.
— Está tudo bem não é? Então sem reclamações!
Vamos, eu vou te pagar uma bebida.
— Eu passo.
Eu me levantei e
limpei minhas roupas e então continuei caminhando. Ele apenas ficou me
observando enquanto eu ia embora.
Eu não sei dizer
se isso foi muito azar ou muita sorte.
De qualquer forma
eu continuei o caminho, me acalmando aos poucos. Fiquei um pouco assustado
quando dobrei numa rua errada e quase me perdi, mas acabei encontrando o
caminho certo e cheguei em casa. Eu abri a fechadura da porta e entrei dentro
de casa, quando fui surpreendido por uma figura feminina no meio da minha sala.
— Aah!
— Makoto! O que você pensa que está fazendo em
casa!?
— Nana... Você chegou aqui bem rápido não foi?
Isso é um
problema. Eu esperava poder chegar antes dela em casa e fingir estar dormindo
pra ela não brigar comigo. Eu não sabia direito pra onde eu olhar. Ela estava
com um lenço amarrado na cabeça, um avental sobre as roupas do colégio e uma
vassoura na mão. Esse último objeto me pareceu
bastante perigoso.
bastante perigoso.
— Eu já falei que você tem que aproveitar pra
fazer algo nos dias que eu vier aqui não foi? Isso estraga totalmente a razão de
eu estar fazendo isso!
Eu desviei o
olhar.
— Mesmo que você diga isso, não acho que tenha
algo pra eu fazer.
— Seus amigos nunca te chamaram pra fazer nada?
Bom, de fato eles
me chamaram várias vezes, e eu recusei por que tinha que voltar pra casa. Sem
poder discordar eu apenas cocei a parte de trás da cabeça enquanto olhava pra
um ponto fixo na parede.
— Ah, chega, hoje você vai sair!
— E-ei!
Antes que eu
pudesse reagir, fui enxotado à vassouradas pra fora da minha própria casa.
— E agora...
Eu suspirei e
olhei para o céu. Se eu voltasse para a escola agora talvez eu pudesse assistir
as garotas do clube de tênis jogando, ou rir com as confusões do time de
futebol. Eu ajeitei meus sapatos batendo eles na calçada e fui em direção à
escola novamente.
. . .
Minhas pernas
estão protestando por causa da vinda extra que fiz hoje, mas eu finalmente
cheguei no portão da escola. Eu o atravessei e observei o movimento bem fraco
de pessoas na área frontal. Fui até a quadra de tênis, mas, por algum motivo,
não havia ninguém treinando lá. Eu me aproximei de uma placa que dizia: 'As
atividades estão suspensas por hoje, desculpem pessoal <3'. Provavelmente
foi uma garota quem escreveu. Eu suspirei, tendo meus planos frustrados. E eu
realmente não acho que escrever um coração assim fosse necessário.
Eu resolvi entrar
no prédio e dar uma olhada rápida nas salas dos outros clubes. Eu ouvi um
barulho de instrumentos tocando. A escola tem uma banda? Eu fui na direção do
barulho e me surpreendi com o que na verdade se revelou ser o clube de teatro.
Eu olhei pela janela. Aparentemente estavam fazendo alguma cena de ação, a
música se tratava de um rock instrumental bem agitado. Uma garota percebeu
minha presença do outro lado da porta e olhou na minha direção. Eu me afastei
rapidamente da janela e andei a passos rápidos até virar o corredor.
Eu pude ouvir o
som da porta deslizando atrás de mim, mas não virei para trás.
Eu continuei
caminhando sem rumo pelos corredores. Aproveitei pra ir no banheiro. Estava
vazio então eu resolvi usar o urinol. Pouco depois, dois garotos entraram
conversando no banheiro e embora eu não ache que estivessem me espiando, eu
fiquei com aquela sensação desconfortável de quem está sendo observado. Olhando
bem, eu pude notar que aqueles dois eram da mesma classe que eu. Quando eu sair
eles certamente vão comentar algo sobre mim... Tsc. Que droga.
. . .
Vários minutos se
passaram sem que eu achasse nada de muito interessante pra fazer. O céu estava
escarlate por causa do fim da tarde, diferente do seu azul habitual. Eu olhei
sem muitos motivos para o corredor ao meu lado e uma placa bastante colorida
pela primeira vez me chamou a atenção. Eu caminhei com calma até ela e li o que
estava escrito.
Clube de dança
com fantoches.
Era sobre isso
que aquela garota de mais cedo estava falando? Eu sinceramente não levei isso
muito a sério. Realmente existe um clube assim? Por pura curiosidade eu abri a
porta do clube.
— Com licença...
A visão que eu
tive na verdade foi bem melancólica e diferente do que eu esperava. A garota de
mais cedo estava sentada numa carteira com dois fantoches diferentes nas mãos,
olhando pra baixo, fixamente, como se estivesse extremamente decepcionada com
algo. Ela me pareceu alguém cheio de energia e que não se abateria mesmo que
algo muito ruim lhe acontecesse. É o tipo de impressão que alguém baixinha e agitada
passa pra você, eu acho. No entanto quem eu encontrei ali foi uma pessoa
abatida e apática.
Eu enchi o peito
de ar para falar algo, mas o semblante da garota se iluminou no momento que ela
me viu. Ela abriu um largo sorriso como se a tristeza que estivesse sobre ela
jamais tivesse existido. O levantar dela fez com que a cadeira se arrastasse
uns 2 metros pra trás e ela praticamente correu na minha direção.
— Bem-vindo ao clube de dança com fantoches!
Estou feliz que você tenha conseguido vir!
Ela apertou
minhas mãos mesmo com os fantoches ocupando as dela. Além disso, ela fez soar
como se tivesse me convidado pra um casamento ou algo do tipo...
— Aah! Você estava com o Onii-Chan mais cedo
não foi? Onde ele está? E o garoto estranho de cabelos vermelhos?
— Ah...
Eu cocei a
cabeça.
— Eles não puderam vir, então acho que hoje
você vai ter que se contentar só comigo.
— Entendi!
Ela não pareceu
muito decepcionada com a notícia.
Um silêncio desconcertante
tomou conta do lugar enquanto ela simplesmente olhava pra mim sorrindo,
esperando por algo. Ela quer que eu pergunte algo pra ela? Eu desviei um pouco
o olhar pra pensar.
— Então... Como funciona uma dança com
fantoches?
Ela abriu os
dentes e fechou os olhos num sorriso.
— Hee hee! É muito fácil. Você faz isso, isso,
e isso... Ah e depois isso e isso...
Ela fez uma série
de movimentos no mínimo estranhos que eu não consegui acompanhar muito bem.
Então ela olhou pra mim com um rosto determinado e perguntou:
Então ela olhou pra mim com um rosto determinado e perguntou:
— Entendeu?
— Não exatamente...
Eu não sabia
direito se sorria ou se fazia uma cara de quem estava sendo feito de idiota.
Ela pegou na
minha mão e me puxou para o centro da sala.
— Pra você entender você tem que fazer também.
Venha!
Ela colocou dois
fantoches nas minhas mãos. Um era um lobo cinzento e o outro era uma joaninha.
Então ela começou a fazer os movimentos de forma mais lenta. Eu fiquei parado,
olhando. Ela começou a me encorajar a tentar e eu acabei fazendo meio que sem
vontade.
Com o tempo eu
acabei pegando o jeito, e a energia da garota me encorajou a fazer movimentos
mais extensos e parecidos com o que ela estava fazendo. Hahaha! Realmente devo
estar parecendo um idiota agora.
À medida que eu
pensava isso eu dava risada de mim mesmo. Ela olhou pra mim e riu de volta.
Antes que eu percebesse eu estava me divertindo. A verdade é que desde muitos
anos que eu não tenho oportunidade de fazer coisas idiotas como essa, então a
criança que ainda vive em mim ficou muito agradecida.
Nós dois criamos
novas sequências e continuamos fazendo isso por vários e vários minutos.
Ficamos exaustos. Eu decidi descer e pagar uma bebida pra ela. Eu escolhi um
refrigerante de limão, e ela escolheu uma caixinha de suco de laranja. Nós dois
sentamos no banco que eu sentei com Kaioshi e Akakyo mais cedo. Ela recostou as
costas no banco e balançou as pernas, que por pouco não tocavam o chão,
enquanto bebia o suco pelo canudo.
— Eu ainda não sei seu nome.
Ela desviou o
olhar do que quer que estivesse olhando e olhou na minha direção.
— É Hanabi. Yuujimura Hanabi.
— Entendi. Meu nome é Alkaev Makoto.
— Ehh! Que nome difícil!
— É... É sim. Pode me chamar de Makoto.
— Entendi! Makoto-san.
O pessoal do
clube de corrida passou pelo lugar onde estávamos sentados. As atividades dos
clubes já estavam pra acabar, então aquela devia ser a última volta que eles
dariam na escola.
— Yuujimura-san, posso te perguntar por que
você estava matando aula hoje?
— Hum...
Ela não me
pareceu muito confortável com a pergunta então deu um longo gole no suco antes
de responder.
— Eu briguei com o professor!
Ela levantou o
rosto e fez uma cara orgulhosa.
— Isso é sério?
— Sim! Ele estava me dando bronca então eu saí
da sala.
— Você vai arranjar um problemão... Ouvir e
fingir que aceita o que seus professores te dizem é melhor que confrontá-los e
se meter em confusão por causa disso.
Ela colocou a
boca no canudo de novo e bebeu novamente. A caixinha fez um barulho de ar e ela
apertou para conseguir beber um pouco mais do líquido.
— Além disso eu tinha que arranjar membros pro
clube de dança com fantoches...
Ela ignorou
completamente o que eu disse. Acho que mesmo se eu continuar a tentar dar
sermão nela ela não vai me ouvir. No fim das contas, eu acabei de conhecê-la. Não
acho que eu devia estar fazendo isso, de qualquer forma.
Parando para
pensar, ela disse que tinha que arranjar membros... Se eu não tivesse ido hoje
ela estaria sozinha, lá, naquela sala. Quer dizer que não há nenhum membro além
dela. O tipo de clube particularmente também não é muito atrativo, parece que é
alguma brincadeira que ninguém está disposto a cair. Há quanto tempo ela anda
fazendo isso? Ficando sozinha naquela sala escura...
Acordei dos meus
pensamentos quando ouvimos o sinal tocar. Ela saltou do banco e jogou a
caixinha no lixo. Eu joguei minha lata lá logo em seguida, e então ficamos de
pé um de frente para o outro.
— Makoto-san, obrigada por ir ao clube hoje.
Foi muito divertido!
Eu cocei a cabeça
sem jeito.
— Que nada! Eu também me diverti.
— Eu tenho que voltar pra casa agora. Minha mãe
vai ficar com raiva se eu chegar muito tarde.
— Sim. Até mais então.
— Sim!
Ela se virou de
lado e balançou a mão num gesto de despedida. Então ela correu na direção do
portão, até que eu a perdi de vista.
Alguns segundos
depois, eu comecei a caminhar na mesma direção.
. . .
Nanami fechou a
porta do quarto de Shizuka enquanto dava um tchauzinho com a mão. Eu pude ver
pela abertura que Shizuka sorriu em resposta.
Nós dois saímos
de casa e começamos a caminhar lado a lado pela rua escura.
— E então, o que você fez hoje à tarde?
— Participei das atividades de um clube na
escola.
— Ah! Então você entrou pra um clube?
— Eu não acho que eu tenha entrado, mas...
— E então, que clube foi?
Eu corei com
vergonha do que estava prestes a falar. A voz saiu mais baixa do que eu
pretendia.
— Clube de dança com fantoches...
— Hã?
Ela se aproximou
pra ouvir direito. Eu deixei a vergonha explodir e falei bem mais alto.
— Clube de dança com fantoches!
Eu pude notar um
garoto dentro de uma casa da vizinhança se virar pra confirmar o que tinha
acabado de ouvir. Ele deu de ombros como se não se importasse e se virou para a
televisão novamente.
— Haha... Hahahaha!
Nanami começou a
rir de mim enquanto enxugava as lágrimas que pretendiam se formar nos seus
olhos.
— Você não pode estar falando sério!
Eu não respondi e
apenas fiquei cabisbaixo enquanto caminhava. Ela continuou olhando pra mim e
sorrindo.
— Mas você parece ter se divertido. Que bom.
Eu corei
novamente e resmunguei com ela.
— Pare de me tratar como se fosse minha mãe.
Ai! Eu senti um
beliscão na minha bochecha direita.
— E você pare de ser tão resmungão!
. . .
Nós continuamos
conversando a medida que nos aproximávamos da casa dela. Nana parecia muito
feliz em estar cuidando de Shizuka. Eu também estava. Não que eu queira me
livrar dela, mas Shizuka e eu pudemos rever nossa melhor amiga de infância, e
passamos algum tempo juntos, também. Além disso, eu não estou usando muito o
tempo livre que ganhei agora, mas agora tenho a oportunidade de usá-lo para
aproveitar o fim da minha juventude. Daqui a uns anos eu vou estar preocupado
com trabalho e não vou ter muito tempo... Não posso ficar dependendo do dinheiro
que meus tios me mandam pra sempre. Além disso, fico preocupado em como eu vou
conseguir cuidar de Shizuka... Certamente não vou poder ficar saindo do
trabalho o tempo todo como faço na escola. Será que eu estou esperando por um
milagre?
Não. Não pense nisso.
Vai dar certo.
Vai tudo dar
certo.
Nana e eu
finalmente chegamos na frente da casa dela. Eu a abracei enquanto nos
despedíamos.
— Minha mãe falou pra você vir nos visitar
qualquer dia. Ela quer conversar sobre bastante coisa com você.
— Sim. Qualquer dia eu venho aqui. Chame ela
pra ver a Shizuka também, qualquer hora.
— Sim.
Ela subiu os
degraus e acenou lá de cima pra mim. Eu acenei de volta e esperei ela entrar
para começar o caminho de volta.
. . .
Eu passei pela
mesma casa da última vez. Eu olhei para o muro onde a garota estava. Novamente,
eu não a encontrei. No entanto, algo no ar estava diferente da última vez.
Tem alguém atrás
de mim?
Eu olhei pra trás
e pensei ter visto um vulto se mover. Eu continuei olhando naquela direção por
alguns instantes. Nada. Eu simplesmente continuei meu caminho com cautela.
Felizmente, nada de ruim aconteceu e eu pude embarcar no metrô e voltar pra
casa.
. . .
Hoje o dia foi
bem agitado, com aquela garota nova. Yuujimura Hanabi. Tá aí um espécime que
não se vê todo dia. Eu entrei em casa e tirei os sapatos. Eu queria
simplesmente me jogar no sofá e descansar as pernas, mas tinha que avisar a
Shizuka que eu cheguei. Eu atravessei a casa sem iluminação. O corredor era a
parte mais escura, iluminado apenas pela lua cheia do lado de fora. Eu abri a
porta e me deparei com o corpo de uma garota debruçado sobre o chão. A cama
estava completamente desarrumada e Shizuka estava imóvel com uma expressão
muito assustada.
— Shizuka!
Eu corri até ela,
e me agachei para me certificar que ela estava bem. Meu coração acelerou com
aquela cena.
Desespero.
Pânico.
Acalme-se...
A culpa é dela...
Não...
A culpa é
minha...
Vamos,
acalme-se..!
Shizuka...
Me desculpe.
. . .
Chiharu - 02
Desculpe.
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