A Valquíria Zero - Capítulo IX: Herança & Maldição


Fala, galerinha! 

A valquíria nunca esquece de vocês hein? Trazendo mais um capítulo para vocês se distraírem um pouco depois dessa segunda-feira monótona!

Boa leitura a todos!






CAPÍTULO IX:


Não se era possível distinguir o dia da noite em Helheim. Ali, era noite a todo momento, em todo lugar. Mesmo estando ao que parecia ter sido dias naquele lugar, Tqir e Siegfried ainda esperavam pelo terceiro membro de seu grupo.

Siegfried desenhava imagens obscenas de mulheres nuas no chão utilizando-se de um graveto podre todo retorcido. Por outro lado, Tqir cuidava para que a fogueira não se apagasse.

— Olha, talvez você pudesse parar de se masturbar para esses seus desenhos e vir cuidar um pouco da nossa segurança? — Tqir queixava-se enquanto derrubava mais lenha na fogueira que já ia se apagando por completo. — Não sei se já percebeu, mas o fogo é a única coisa que mantém as aberrações daqui longe.

— Ainda bem que tenho você comigo então, sabe, para cuidar da fogueira. Além do mais... au! Por que fez isso?

— Talvez arremessar um tronco na sua cabeça te traga juízo. Porra, estamos no inferno e parece que ao invés de tentar desviar, você quer brincar com o diabo.

— Bom, o diabo daqui é bem atraente, não me importaria de brincar com ela e... Porra! Dá pra parar de jogar troncos na minha cabeça?

— Não!

Ambos os espadachins permaneceram trocando xingamentos sem fim. Entretanto, o silêncio logo chegou, junto a um calafrio. As árvores mortas balançavam seus galhos silenciosamente, enquanto o único som que se ouvia era o dos corvos grasnando.

Aquele era um calafrio familiar. Tanto Siegfried como Tqir já haviam sentido antes, e graças à isso, não se importaram com o que estava vindo. Siegfried que até então permanecia sentado, resolveu se levantar. Largou o galho retorcido que usava como lápis.

— Enfim chegou. Estava começando a pensar que não viria. — Tqir dizia, indo em direção ao homem recém-chegado.

— Por que diabos você tem que deixar tudo tão gelado? E você podia deixar os corvos em casa né?! — Siegfried apenas se queixava. — Já falei o quanto esses bichos são barulhentos, Shannis?

O espadachim fantasma apenas sorriu em direção ao seu companheiro.

— Como estão as coisas, Tqir? Vejo que anda tendo trabalho com Sieg. Dê um desconto, ele é novo no ramo ainda, e além disso, não se fazem mais espadachins como antigamente...

— Como é que é? — o careca estreitou os olhos. Passava a mão de leve em Gram. — Não se fazem espadachins como antigamente? Por acaso quer resolver isso na espada, Shannis?

— Ei, larga disso, Siegfried. Temos muito o que conversar, beleza? — Tqir interviu rapidamente no assunto. — Precisamos de um plano contra nosso alvo, porque o seu plano, meu caro Siegfried, não é nem um pouco agradável. Vamos, sentemos em volta da fogueira.

Os três guerreiros logo se ajeitaram e sentaram em volta da fogueira. As chamas dançavam enquanto o amontoado de troncos queimava e estalava de forma barulhenta. Os corvos grasnavam ainda mais alto enquanto a paciência de Sigfried ia se esgotando.

— Então, meu caro companheiro. Creio que você não esteve transando com prostitutas nem matando elfos selvagens por essas estradas. — deu um sorriso, que logo foi substituído por uma expressão séria. — Na realidade, acredito que você tenha entrado em contato com nosso alvo.

— E por que acha isso, meu grande amigo? Posso muito bem ter ficado todo esse tempo com prostitutas. Contudo, antes de lhe responder, poderia me revelar qual seria o plano do nosso jovem espadachim? — apontou para Siegfried que observava os corvos que sobrevoavam e grasnavam ferozmente. Alisava o pomo de Gram.

— Tem certeza? Pois bem. — pigarreou — O plano do nosso mais novo companheiro era, como posso dizer? Improvisar. Sim, ele queria simplesmente improvisar. — respondeu, enfatizando a palavra principal do plano.

— E o que há de errado nisso? Todos os meus contratos foram assim, e sempre os executei de forma impecável! Fora que- Pelo amor de Freya! Se você não der um jeito nesses corvos eu vou dar! Mas que inferno!

— Exatamente, rapaz. Estamos no inferno. Como você é perspicaz. — Shannis comentou, dando um risinho.

— Eu não tenho que ficar ouvindo desaforos de um fantasma! Ora, Tqir, deixe que eu mesmo dê cabo dessa mulher! Não é como ela fosse mais forte que um Jotun de Niflheim! Ou mais forte que um caranguejo-salamandra.

O espadachim careca, com sua paciência se esvaindo, levantou-se num pulo. Tqir o olhou de soslaio.

— Sente-se, garoto.

Um olhar perfurante. Nunca tinha sentido tal energia de Tqir. E só precisou daquelas palavras para se sentar depressa. Shannis prosseguiu.

— Creio que esteja enganado, meu jovem. Tqir estava certo e eu de fato estava verificando nosso alvo. — pausou por um momento, pegou uma caneca que estava jogada ao lado da fogueira e a encheu com cerveja que seus companheiros tinham trago. — E bem...

— Desembucha logo!

Sem se incomodar com Siegfried, o espadachim fantasma continuou de forma calma.

— Devo constatar que essa mulher é simplesmente diferente de qualquer contrato que tenha pego durante minha longa carreira. — deu um gole — Ela tem experiência, força, e muita atenção a tudo que ocorre ao seu redor. Porém...

— Vá direto ao ponto, velho! — Siegfried novamente gritava. E novamente fora ignorado por Shannis, que apenas continuou sua linha de raciocínio.

Porém — olhou para o careca —, ela é extremamente impulsiva.

Tqir levantou e jogou mais lenha na fogueira.

— Entendo... E acha que podemos usar isso a nosso favor?

— Ainda não tenho certeza. Ela pareceu ter um pavio curto, mas mesmo assim se mostrou atenta a situação. O maior problema é que é fácil irritá-la, porém difícil de pará-la, tendo em vista que ela não se descuida pois evita de perder a cabeça. — deu mais um gole. Fez uma careta ao perceber que a cerveja havia acabado.

— Vocês são todos uns cagões, isso sim! — declarou o espadachim careca, desembainhando Gram e a apontando para o alto. — Sugarei toda a vida do corpo dessa vadia! Não há ninguém páreo para a minha Gram!

— Veremos quando ela arrebentar você e sua espada. — jogou um tronco na direção de Siegfried, que cortou sem dificuldades. — Shannis, o quão armada ela estava?

Shannis Yangar parou para pensar. A fogueira continuava estalando diante dos três espadachins que apreciavam o silêncio que os corvos lhes deram. Siegfried balançava sua espada de um lado a outro, ansioso.

— Não posso confirmar se tinha mais alguma coisa, mas vi ela carregando algo bem preocupante. — olhou para o copo vazio. — Tem mais cerveja?

— Deve ter um pouco na bolsa, alcance-a para mim, Sieg.

O careca que ainda permanecia em pé, embainhou Gram e foi até a bolsa de couro de Tqir. Revirou-a rapidamente com as mãos até enfim encontrar um cantil com cerveja.
— Esse aqui? — levantou para o alto para que Tqir pudesse ver.

— Sim, traga-o que o dividirei.

Pegando mais duas canecas, o homem da armadura vermelha despejou o conteúdo do cantil igualmente nas três canecas que estavam dispostas à sua frente. Ao perceber a pequena quantidade que recebeu, Shannis xingou baixinho, Siegfried tomou tudo em apenas um gole e Tqir se sentiu satisfeito em apenas manter-se em silêncio.

— Pois bem, voltando ao assunto. — colocou a cerveja de lado. — O que você viu de tão preocupante nessa valquíria?

— Serei direto.

— Finalmente! — Siegfried exclamou, claramente contente com a constatação do companheiro.
Shannis fitou o careca de forma ameaçadora. Bebeu a cerveja que recebeu e arremessou o copo para longe. Pôde-se ouvir o barulho do impacto entre o caneco e os troncos velhos das árvores sem vida de Helheim.

— Já que ficou me importunando desde que cheguei, serei bem teórico agora. — voltou a encarar Tqir. Siegfried disse algumas palavras obscenas, mas permaneceu ali para ouvir os relatos do espadachim fantasma. — Acredito que ambos lembram de Hedin?

— É sério que você vai contar uma história agora? — Siegfried interveio, apenas para ser ignorado por Shannis e Tqir.

— Sim, Shannis, lembro-me. — assentiu com a cabeça. — Era um mercenário há muito tempo. Ganhava a vida roubando caravanas que viajavam pelas encruzilhadas próximas das montanhas de Murh lá em Midgard. Entretanto, não consigo ver a conexão entre ele e a valquíria.

— Se acalme, meu amigo. Chegaremos lá em breve. — olhou brevemente para a fogueira, que já começava a se apagar lentamente. — Siegfried, poderia pegar mais lenha, já que você não gosta de histórias?

Siegfried deu de ombros, girou nos calcanhares e seguiu rumo ao interior da floresta, à procura de lenha. Shannis continuou.

— Pois bem, Hedin não apenas roubava. Muitas eram as vezes em que ele violentava as mulheres que pudessem aparecer nessas caravanas, as desgraçando para sempre. Também não era incomum ele as sequestrar para continuar violentando-as, ainda mais quando ele as achavam atraente.

— Certo... está querendo dizer que Hedin violentou uma mulher e ela deu à luz a uma valquíria?

— Cale a boca e deixe-me continuar. — interrompeu seu companheiro. — Certo dia, Hedin sequestrou uma princesa chamada Hild. Uma linda jovem que acabara de se tornar uma mulher feita. Tinha cabelos loiros e olhos azuis como o céu. Sabe, essas características lendárias que muito provavelmente devem ser mentiras.

Tqir levantou-se ao perceber que Siegfried havia voltado. Pegou a lenha e foi atirando aos poucos na fogueira. O careca se encostou em uma árvore retorcida próxima a uma rocha coberta do que parecia ser musgo ressecado. Observava uma aranha que subia lentamente a rocha.

— Quando recebeu notícias que sua filha havia sido sequestrada, o rei Hogni jurou em frente à todos os súditos que iria esfolar Hedin vivo e depois pendurá-lo de ponta cabeça na frente dos portões reais. Mandou pelotões inteiros à procura de Hedin, e as buscas duraram anos, mas Hogni nunca perdeu as esperanças.

De repente os corvos voltaram a crocitar, e o ambiente tornou-se barulhento mais uma vez. Tqir remexia a fogueira com um graveto, embora precisasse trocar de galho toda vez que o mesmo encostasse no fogo.

A aranha permanecia calma e subia com serenidade a rocha. Siegfried estava absorto por aquilo e nem sequer notara os corvos. Shannis deu continuidade ao monólogo.

— Enquanto as buscas continuavam, Hogni viajou até as estradas subterrâneas de Midgard, lar dos elfos negros e anões. Note, porém, que jamais foi documentado a aparição de um anão, então acredito que quem realmente forja as armas sejam os elfos negros. — sorriu de modo esquisito. — Enfim, Hogni encontrou um ser chamado Dain e pediu a ele que forjasse uma espada.

— Ei... um ser chamado Dain? Você tá querendo me dizer que... — Tqir não sabia quais palavras usar devido a surpresa.

Siegfried se ajeitava, trocando de pé de apoio, mas ainda permanecia encostado na árvore. Alisava o pomo de Gram, enquanto via a aranha começar a sua descida.

— Deixe-me concluir a história, Tqir. Não tenha pressa. — riu. — O ferreiro perguntou a Hogni porque queria a espada, e o mesmo respondeu que era para matar o sequestrador de sua filha. Dain achou aquilo uma causa nobre, e portanto, forjou a espada que Hogni pedira. Contudo, o rei seguiu viagem, e a Dain, nenhum pagamento fez.

O cavaleiro da armadura vermelha estalou os dedos, como se tivesse chegado a uma conclusão. Um sorriso amarelado estampava o seu rosto surrado pelo tempo.

— Dívida é um dos crimes imperdoáveis pelos deuses. Seguindo essa lógica, Dain tinha direito divino de amaldiçoar Hogni, estou certo?

Shannis sorriu, mas antes de continuar com a história, foi surpreendido por Siegfried.

— Ele tinha o direito, mas provavelmente fez outra coisa. Veja bem, amaldiçoar Hogni não traria nada a ele, qual seria a graça? Dain pensava alto, certamente pensou em algo mais mirabolante.

— Veja só — Shannis começou a bater palmas. —, pelo visto nosso jovem espadachim estava prestando atenção.

— E como sabe que ele pensaria em algo diferente do tradicional, Sieg?

— Conheci o pobre ferreiro em um dos meus contratos nas estradas subterrâneas. Tinha que matar uma tartaruga-leopardo, e foi ele que me vendeu umas peças de armadura. Percebi que não pensava como as outras pessoas apenas pelo jeito estranho de falar. Estava sempre comentando de algo e criando soluções diferentes para determinados problemas, era incrível.

Siegfried explicava, sem tirar os olhos da aranha que já estava chegando no chão.

— Quem diria, huh. — olhou surpreso para Siegfried. — Vou morrer de velho e não verei tudo. Agora continue, Shannis, esclareça o que Dain fez.

— Pensei que as moças nunca parariam de falar. — pigarreou. — Dain ao invés de amaldiçoar Hogni, colocou uma maldição na espada do rei. Dizia que sempre que fosse desembainhada, precisaria tirar a vida de alguém, caso o contrário, a vida do usuário seria tomada.

— Maneira inteligente de lançar uma maldição. Esse ferreiro foi tão pretensioso que ao invés de criar uma simples maldição, criou uma herança amaldiçoada. — comentou Tqir, com os braços cruzados.

— Para a surpresa e descontentamento de Dain — continuou —, o rei Hogni não desembainhou a espada nenhuma vez durante sua viagem. Quando chegou a seu castelo, recebeu notícias que seus homens haviam encontrado sua filha. Mandou que selassem os cavalos imediatamente e partiu ao resgate da princesa.

Um estrondo pôde ser ouvido, distante. Uma tempestade se aproximava. Os corvos agitaram-se e então alçaram voo. Siegfried, ao perceber que a aranha chegara ao chão, esmagou-a com a ponta da bota, e só então sentou próximo à fogueira.

— Porém, ao chegar no cativeiro da princesa, Hogni descobriu que tudo aquilo fora uma armadilha de Hedin. Houve uma emboscada, onde seus homens foram mortos, e antes que pudesse desembainhar a espada, foi desarmado por Hedin. Hildi, talvez por alguma brincadeira da vida, foi quem desembainhou a espada.

— Ops... — Siegfried riu.

— Acho que já sabemos como essa história termina. — pegou a caneca de cerveja que tinha largado e tomou tudo num gole.

— Acredito que sim. — cuspiu na fogueira. — Hedin virou para a princesa e num movimento rápido, cortou a mão da princesa. Nesse momento, o rei Hogni teve a chance de apunhalar o mercenário pelas costas com um punhal que guardava no cano da bota. Correu e ajudou a sua pobre filha que sangrava demasiadamente.

— E depois embainhou a espada... Imagino qual deva ter sido a reação dele ao ver sua filha morta em seus braços. — Tqir fungou, tossiu e xingou baixinho.

Shannis Yangar deitou-se e passou a observar os céus escuros de Helheim, coberto de corvos e dragões.

— Não foi das melhores. — ironizou. — Ele nunca descobriu o que acontecera naquele dia. Os médicos disseram a ele que a moça não morreu por hemorragia e nem por infecção. Sem nenhum rumo para seguir, cometeu suicídio. A espada amaldiçoada foi mais tarde confiscada por Odin, pois era uma arma perigosa demais para humanos. A espada mais tarde recebeu um nome: Dainsleif, ou em tradução livre, a Herança de Dain.

Shannis bocejou, coçou os olhos e se levantou, espreguiçando-se.

— Você nos contou toda essa história apenas para nos informar que a valquíria está em posse de Dainsleif? — Tqir perguntou, incrédulo.

— Basicamente, sim. — O espadachim fantasma sorriu um sorriso amarelo.

— É por esses e outros motivos que evito ouvir as histórias desse velho, Tqir. É muito rodeio para falar uma coisa sequer.

— Fazendo rodeios ou não, temos essa informação extremamente importante. Agora podemos pensar em uma estratégia contra essa arma. Obrigado, Shannis.

— Não há de quê, meu caro Tqir.

— Então, alguém tem alguma ideia de como contra-atacar essa valquíria? Ou melhor, algum plano para ao menos não morrermos enquanto lutamos contra ela? — o homem da armadura vermelha, o cavaleiro de Hel, olhava sério para seus companheiros.

Ninguém respondeu.

O ar gelado soprava e cortava a pele dos cavaleiros que por muito tempo em silêncio permaneceram. A fogueira foi se apagando lentamente, mas em pouco tempo, não havia mais fogo.

Os corvos voavam e grasnavam, e as trovoadas tornavam-se mais frequentes. Uma pequena chama, provinda de um fósforo se acendeu em meio a escuridão que rodeava os espadachins.

— Eu tenho um plano. — Siegfried afirmou, com o fosforo na mão.

Parecia que a reunião dos três amigos estava apenas começando.


E bem ao fundo, flutuando sobre suas cabeças, olhos róseos espreitavam na escuridão do mundo dos mortos.

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